Discorrendo sobre entes
efêmeros e duradouros, a falante põe em evidência a distância que nos afasta daquilo
que se mantém vocacionado à eternidade – ou quase isso –, coisas que não
expressam vida biológica, como a Muralha da China ou as Pirâmides de Gizé,
sendo, antes, criações humanas sustentadas por outras combinações da matéria.
Mas há também aquelas
que, sendo orgânicas, servem-nos como alimentos oferecidos pela natureza,
assimiladas na constância de nossos limitados dias sobre este globo. Ademais, em
paralela conjunção, tem-se a imensa massa de lixo produzida pelas sociedades
industriais, de conteúdo orgânico e inorgânico, a evidenciar o acerbo
desperdício de recursos, os quais, num futuro que se presume não tão distante, haverão
de nos fazer falta.
J.A.R. – H.C.
Astrid Cabral
(n. 1936)
Das Coisas
Algumas são
perecíveis.
As comestíveis, por
exemplo,
tão assimiláveis e
semelhantes
nas urgências e
desgastes do corpo
tão irmãs no destino
decadente
mergulham conosco na
voragem.
Outras são
descartáveis
e se afastam de nós
cada vez mais
rejeitadas por nossos
gestos
rebaixadas a lixo e
ainda assim
recicláveis com
direito pleno
à metamorfose e
reencarnação.
Grande parte das coisas
é de assombrosa
resistência
matéria incólume
pelas eras
muralhas e pirâmides
de pedra,
pontes, arcos e
torres de ferro,
coroas de ouro e
diamante.
Efêmeros seres em
trânsito,
devemos conviver com
presenças
tão duradouras que
até diríamos
participantes da
eternidade.
Destas mantemos
distância
devido às
incompatíveis esferas.
Em: “Voz das Coisas”
(1979)
Um Arco da Ponte de
Westminster
(Samuel Scott: pintor
inglês)
Referência:
CABRAL, Astrid. Das
coisas. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor: Astrid Cabral.
Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2008. p. 79. (Coleção ’50 poemas
escolhidos pelo autor’; v. 28)
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