Verlaine reunia em si
uma mixórdia de opostos, inclusive no que diz respeito ao sexo, diga-se mais
explicitamente, eis que dividido entre heterossexualidade e homossexualidade –
um “homoduplex”, como se autodenominava: seus poemas eróticos convergem, com semelhante
volúpia, para o panegírico de ambos os gêneros.
Aqui, Verlaine vê no
belo sexo da mulher a lira em cujas cordas – metáfora para as pregas vulvares –
a “língua delira”, em clara alusão à prática do sexo oral, embora também se
possa perceber a conexão da ideia ao próprio ofício da poética, quando se toma
a palavra “língua” não em seu sentido literal, orgânico, senão em seu sentido
expressivo, rítmico, a outorgar certa modulação ao poema, mais facilmente
observável quando de sua récita.
J.A.R. – H.C.
Paul Verlaine
(1844-1896)
Hommage dû
Je suis couché tout
de mon long sur son lit frais:
Il fait grand jour;
c’est plus cochon, plus fait exprès
Par le prolongement
dans la lumière crue
De la fête nocturne
immensément crue
Pour la persévérance
et la rage du cu
Et ce soin de se
faire soi-même cocu.
Elle est à poil et
s’accroupit sur mon visage
Pour se faire
gamahucher, car je fus sage
Hier et c’est –
bonne, elle, au-delà du penser? –
Sa royale façon de me
récompenser.
Je dis royale, je
devrais dire divine:
Ces fesses, chair
sublime, alme peau, pulpe fine,
Galbe puissamment
pur, blanc, riche, aux stries d’azur,
Cette raie au parfum bandatif,
rose obscur,
Lente, grasse, et le
puits d’amour, que dire sur!
Régal final, dessert
du con, bouffé, délire
De ma langue harpant
les plis comme une lyre!
Et ces fesses encor,
telle une lune en deux
Quartiers,
mystérieuse et joyeuse, où je veux
Dorénavant nicher mes
rêves de poète
Et mon cœur de
tendeur et mes rêves d’esthète!
Et, maîtresse, ou
mieux, maître en silence obéi,
Elle trône sur moi,
caudataire ébloui.
Sentada no rosto
(Helen Winter:
artista russa)
Homenagem devida
Deito-me de comprido
no seu leito morno.
A claridade do dia
está mais de acordo
Com a ânsia obscena
de prolongar, à luz crua,
O noturno festim,
pois a luz acentua
O afinco, a fúria do
nabo, e vai nisso tudo
Uma estranha vontade
de fazer-se galhudo.
Nua em pelo, ela se
agacha sobre o meu rosto
Para ser lambida:
ontem me portei a gosto
E esta será (boa,
ela, além do que pensa)
A minha paga, a minha
real recompensa.
Eu disse real, devia
dizer divina:
Nádegas de carne
sublime e pele fina,
Branco, puro perfil
de azuladas nervuras,
Sulco de intenso
perfume, a rosa sombria,
Lenta, gorda, e o
poço do amor, as iguarias!
Fim do festim, de
sobremesa a cona, a lira
Em cujas pregas,
cordas, a língua delira!
E essas nádegas
ainda, lua de dois
Quartos, alegre e
misteriosa, em que depois
Irei alojar os meus
sonhos de poeta,
Meu terno coração e
meus sonhos de esteta!
E amante, ou melhor,
amo em silêncio obedecido,
Reina ela sobre mim,
o seu servo rendido.
Referência:
VERLAINE, Paul. Hommage
dû / Homenagem devida. Tradução de José Paulo Paes. In: PAES, José Paulo (Seleção,
tradução, introdução e notas). Poesia erótica em tradução. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2006. Em francês: p. 154; em português: p. 155.
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