Se o poema não vem a
lume de um modo desembaraçado, dizendo aquilo a que se propõe diretamente, ele
acaba por vir sob forma metalinguística, a discorrer sobre as razões pelas
quais o poeta o desamparou em suas esquivanças, dado que carente de especial
conteúdo ou de urgência para um quotidiano ávido de novidades.
Ausente a poesia no
transcurso das horas, na fluência do momento presente, sobeja o recurso às
vivências do passado ou às esperanças do porvir, aquelas – segundo o poeta –
mais propensas às condutas dos homens, estas às das mulheres, com o que se
sugere – parece-me – que os homens se encontram mais ou menos numa zona de conforto
em relação à vida que levam, já não as mulheres, a sonharem com mudanças que
lhes satisfaçam os anelos.
J.A.R. – H.C.
António Ramos Rosa
(1924-2013)
Vida e Poesia
O poema que não pode
nascer trabalha para si só
durante o verão
mantém vivos os membros
e esquiva-se sempre
às minhas horas de ócio
é o poema eternamente
repelido
o poema que ninguém
quer e que não é vivido nunca
poema sem forma sem
conteúdo especial sem urgência nenhuma
de viver ou de te dar
os bons-dias
e assim os homens
falarão do seu passado
e as mulheres do seu
futuro
Em: “Sílex” (1980)
Um livro de cartas
(Claude Raguet Hirst:
pintor norte-americano)
Referência:
ROSA, António Ramos.
Vida e poesia. In: __________. O poeta na rua: antologia portátil. Selecção e prefácio de Ana Paula Coutinho
Mendes. 2. ed. Vila Nova de Famalicão, PT: Quasi Edições, 2005. p. 54.
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