A palavra é o instrumento
maior do poeta para fazer valer a sua imaginação ante a realidade do mundo, sobrelevando-o
a um grau de liberdade que o confronta com o vazio, cifra maior do pensamento
convertida em linguagem para transformar em harmonia o caos, o sem-sentido a
que se refere Shakespeare:
“A vida não é mais
que uma sombra itinerante, um mau ator que se pavoneia e se inquieta durante o
seu momento sobre o palco e logo já não se lhe escuta mais. É uma história
narrada por um idiota, cheia de som e de fúria, que nada significa”. (Macbeth: ato
V, cena 5)
Diz o falante que a
luz, a matéria e o ruído da sombra de sua palavra – ou seja, o sopro essencial
que dela emana, bem mais que o seu limitado significante – é o que dará
testemunho jacente da idiossincrática “realidade” que experimentara em vida,
não outra senão aquela que deu ensejo ao seu ato fundador de nomeação, como o
de um Adão em Gênesis 2:20.
J.A.R. – H.C.
Juan Carlos Mestre
(n. 1957)
Elogio de la palabra
Esta palabra no ha sido pronunciada contra los dioses, esta palabra y la
sombra de esta palabra han sido pronunciadas ante el vacío, para una multitud
que no existe.
Cuando la muerte acabe, la raíz de esta palabra y la hoja de esta
palabra arderán en un bosque que otro fuego consume.
Lo que fue amado como cuerpo, lo escrito en la docilidade del árbol único,
será consolación en un paisaje lejano.
Como la inmóvil mirada del pájaro ante la ballesta, así la palabra y la
sombra de esta palabra aguardan su permanência más allá de la revelación de la
muerte.
Sólo el aire, únicamente lo que del aire al aire mismo trasmitimos como
testamento de lo nombrado, permanecerá de nosotros.
La luz, la materia de esta palabra y el ruido de la sombra de esta
palabra.
Pôr do sol com
pássaros
(Werner Drewes: pintor
germano-americano)
Elogio da palavra
Esta palavra não foi pronunciada contra os deuses, esta palavra e a
sombra desta palavra foram pronunciadas perante o vazio, para uma multidão que
não existe.
Quando a morte acabar, a raiz desta palavra e a folha desta palavra
arderão em uma floresta que outro fogo consome.
O que foi amado como corpo, o escrito na docilidade da única árvore,
será consolação numa paisagem distante.
Como o olhar imóvel do pássaro diante da balestra, assim a palavra e a
sombra desta palavra esperam sua permanência para além da revelação da morte.
Apenas o ar, unicamente o que transmitimos do ar para o próprio ar como
testamento do que restou nomeado, permanecerá de nós.
A luz, a matéria desta palavra e o ruído da sombra desta palavra.
Referência:
MESTRE, Juan Carlos.
Elogio de la palabra. In: LÓPEZ-LUACES, Marta (Sel.). Veinte poetas
españoles del siglo XX. Prólogo de Miguel Casado. Caracas, VE: Fundación
Editorial El Perro y la Rana, ago. 2008. p. 213-214. (Colección ‘Poesía del
Mundo’; Serie ‘Antologías’)
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Belo poema com uma resenha à altura. Registro que acabei de descobrir no blog, como sempre, uma joia. Esse Juan Carlos Mestre é um exemplo daquela boa poesia que faz falta. Vou compartilhar, como se repartisse, por necessário, o pão dessa descoberta.
ResponderExcluirMuito grato pelo comentário e pela disposição de levar à frente o tino da poesia que se faz necessária. J. A. Rodrigues
ExcluirEstou atento e curtindo cada poema com o coração em festa. No "vasto mundo" de postagens há sempre uma descoberta. Através de seu blog tomo conhecimento de poetas que nunca estiveram no meu caminho. São vários. Todos muito especiais. Os que se foram, tenho certeza de que estão eternizados Enfim, seu blog reúne o que há de melhor. Por isso, atentos à leitura, vamos aprendendo com as visitas que fazemos ao blog. Muito obrigado.
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