A julgar pela inflexão
destes versos de Desnos, contrariamente ao que afirmava Vinicius de Moraes, a
vida seria a arte do desencontro, embora, eventualmente, possa haver alguns
encontros pela vida (rs): é fácil perceber o quanto o poema abeira-se da mesma
temática de um outro, intitulado “Quadrilha”, do
mineiro Carlos Drummond de Andrade, a indicar uma sucessão de relações interpessoais
fracassadas – mesmo a de Lili com seu esposo J. Pinto Fernandes, decerto marcada
por um jogo de interesses não exatamente de ordem amorosa, pois Lili “não amava
ninguém”.
O falante revela-se,
em certa medida, cético em relação a um liame amoroso recíproco: talvez ele
esteja cingido à ideia de que, se alguém anda à solta, há um indicativo de experimentação
da liberdade em primeiro grau – se homem –, e – se mulher – o padecimento por
um desprazer cominado pela solidão.
Sob essa régua,
poder-se-ia especular, v.g., que Lili teria contraído matrimônio com J. Pinto
Fernandes para escapar à solidão, deixando assim de se tornar a “titia” do estigmatizante
linguajar do povo. Mas olhe-se lá que, hoje em dia, há mulheres que
voluntariamente atribuem extremo valor à sua própria liberdade e não entram em
qualquer relacionamento somente por medo à solidão!
J.A.R. – H.C.
Robert Desnos
(1900-1945)
Conte de Fée
Il était un grand
nombre de fois
Un homme qui aimait
une femme
Il était un grand
nombre de fois
Une femme qui aimait
un homme
Il était un grand
nombre de fois
Une femme et un homme
Qui n’aimaient pas
celui et celle qui les aimaient
Il était une fois
Une seule fois
peut-être
Une femme et un homme
qui s’aimaient
Ivan Tsarevich
montando um lobo cinzento
(Viktor Vasnetsov:
artista russo)
Conto de Fada
Era não sei quanta
vez
Um homem que amava
uma mulher
Era não sei quanta
vez
Uma mulher que amava
um homem
Era não sei quanta
vez
Uma mulher e um homem
Que não amavam aquele
e aquela que os amavam
Era uma vez somente
Somente uma vez quem
sabe
Um homem e uma mulher
que se amavam
Referência:
DESNOS, Robert. Conte
de fée / Conto de fada. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio
(Organização e Tradução). Antologia da poesia francesa (do século IX ao
século XX). Edição bilíngue: francês x português. Rio de Janeiro, RJ: Record,
1991. Em francês: p. 382; em português: p. 383.
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