O poeta prescreve a
interrupção “de todos os discursos, todos os esqueletos verbais”, os quais nada
mais servem que para fomentar o exercício do “poder e suas sequelas”. Há que, alternativamente,
sobrepor-lhes um fogo incessante para tomar conta da floresta literária, fazendo-a,
então, se regenerar em outros termos, porventura – imagino – pródiga em
alocuções com menos dominâncias, mais compartilhadas, centradas no
imprescindível, no necessário.
Diz o falante que “a
palavra do homem não é uma ordem”, senão o “abismo”: nessa voragem, os escaninhos
da mente devem ser esvaziados da jurisdição plenipotenciária do ego, para retomar
as rédeas de um estado de consciência saudável, enquanto domínio fecundante
para novos referenciais linguísticos e simbólicos.
J.A.R. – H.C.
Roberto Juarroz
(1925-1995)
2
Interrumpir todos los
discursos,
todos los esqueletos
verbales,
e infiltrar en el
corte
la llama que no cesa.
Empezar el discurso
del incendio,
un incendio que
inflame
estas rastreras
chispas malolientes
que saltan porque sí,
al compás de los
vientos.
Y entretanto sellar
la incontinencia
del verbo del poder y
sus secuelas.
La palabra del hombre
no es un orden:
la palabra del hombre
es el abismo.
El abismo,
que arde como un
bosque:
un bosque que al
arder se regenera.
(1991)
Cena de Incêndio
(Theodore Gegoux: pintor
franco-canadense)
Décima Segunda Poesia
Vertical
2
Interromper todos os
discursos,
todos os esqueletos
verbais
e infiltrar no corte
a chama que não
cessa.
Começar o discurso do
incêndio,
um incêndio que
inflame
estas perfumadas
faíscas rasteiras (*)
que saltam porque
querem,
ao ritmo dos ventos.
E entretanto selar a
incontinência
do verbo do poder e
suas sequelas.
A palavra do homem
não é uma ordem:
a palavra do homem é
um abismo.
O abismo,
que arde como um
bosque:
um bosque que ao
arder se regenera.
(1991)
Nota:
(*). Apenas por um
recurso linguístico à ironia se poderia compreender a tradução ao português da
palavra “malolientes”, em espanhol, como “perfumadas”; isso porque, de fato, o
adjetivo “maloliente” significa “fétido”, “malcheiroso”.
Referência:
JUARROZ, Roberto. Duodécima
poesía vertical (2) [1991] / Décima segunda poesia vertical (2) [1991].
Tradução de Danilo Bueno. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta:
poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017.
Em espanhol: p. 144; em português: p. 145.
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