Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de março de 2024

Al Purdy - Música Puramente Interna

A partir de imagens reais do mundo exterior – pelicanos e garças azuis num céu sob névoa –, o falante nos dá conhecimento da “música” que ressoa em sua mente, a configurar um cenário que adjetiva como “surreal”, tanto mais em função da decodificação de tais imagens formuladas de si para si, por meio de um jogo de metáforas e de ideias inusitadas.

 

Como se observa, o poeta empenha-se em dar relevo aos matizes surrealistas do mundo em sua própria mente, arregimentando um compósito de conteúdos heteróclitos a fervilhar em seu subconsciente, presumivelmente rapinados aos próprios sonhos. No plano meramente pictórico, contudo, fiquei-me a perguntar por que razão o referencial estético atém-se ao surrealismo, se os céus enevoados sugerem tão vivamente o recurso à técnica empregada pelos impressionistas?! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Al Purdy

(1918-2000)

 

Purely Internal Music

 

Pelicans

their name

becomes the awkward shape

of themselves on land

– patrolling sky shallows

then transformed to ballet

– changing again

to feather bullets

plunged into water

– and all of these three

beings coalesced to one

enter my skull

in cerebral twilight

and I become

inhabited

 

The blue heron

with clothespin legs

and inhuman patience

on quivering shorelines

of our blue-green planet

– my species and theirs

studying each other

they unable to believe

in our bifurcated oddness

something flawed

in its creation

by the heron god

short-necked and rejected

thrown out of the nest

in pre-Eden mythology

 

Fog this morning

the world surreal and I

think isn’t the world

always surreal?

never mind

where are my friends

pelican and blue heron

and I know

and can feel them

they are nesting

in my mind

 

Grande garça azul

(Wade Butler: pintor norte-americano)

 

Música Puramente Interna

 

Pelicanos,

o nome deles

torna-se a forma desajeitada

de si mesmos sobre a terra

– a patrulhar baixios celestes,

logo transformada num bailado

– mudando de novo

a projéteis emplumados

mergulhados n’água

– e todos esses três

seres, aglutinados num só,

entram em meu crânio

durante o crepúsculo cerebral,

tornando-me

habitado.

 

As garças azuis,

com pernas de prendedor de roupa

e paciência inumana,

sobre as estremecidas linhas costeiras

de nosso planeta verde-azulado

– a minha espécie e a delas

estudando-se mutuamente –,

são incapazes de acreditar

em nossa singularidade bifurcada,

algo falho

no ato criador

por parte do deus das garças

– pescoços curtos e rejeitados,

atirados para fora do ninho

na mitologia pré-edênica.

 

Névoas nesta manhã

tornam o mundo surreal – e eu

que penso não ser o mundo

sempre surreal? –

não importa

onde se encontrem meus amigos

pelicanos e garças azuis:

sei que posso senti-los

a aninharem-se

em minha mente.

 

Referência:

 

PURDY, Al. Purely internal music. In: __________. The more easily kept illusions: the poetry of Al Purdy. Selected with an introduction by Robert Budde and an afterword by Russell Morton Brown. Waterloo (ON/CA): Wilfrid Laurier University Press, 2006. p. 60-61. (LSP – Laurier Poetry Series)

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