A partir de imagens
reais do mundo exterior – pelicanos e garças azuis num céu sob névoa –, o
falante nos dá conhecimento da “música” que ressoa em sua mente, a configurar
um cenário que adjetiva como “surreal”, tanto mais em função da decodificação
de tais imagens formuladas de si para si, por meio de um jogo de metáforas e de
ideias inusitadas.
Como se observa, o
poeta empenha-se em dar relevo aos matizes surrealistas do mundo em sua própria
mente, arregimentando um compósito de conteúdos heteróclitos a fervilhar em seu
subconsciente, presumivelmente rapinados aos próprios sonhos. No plano
meramente pictórico, contudo, fiquei-me a perguntar por que razão o referencial
estético atém-se ao surrealismo, se os céus enevoados sugerem tão vivamente o
recurso à técnica empregada pelos impressionistas?! (rs)
J.A.R. – H.C.
Al Purdy
(1918-2000)
Purely Internal Music
Pelicans
their name
becomes the awkward
shape
of themselves on land
– patrolling sky
shallows
then transformed to
ballet
– changing again
to feather bullets
plunged into water
– and all of these
three
beings coalesced to
one
enter my skull
in cerebral twilight
and I become
inhabited
The blue heron
with clothespin legs
and inhuman patience
on quivering
shorelines
of our blue-green
planet
– my species and
theirs
studying each other
they unable to
believe
in our bifurcated
oddness
something flawed
in its creation
by the heron god
short-necked and
rejected
thrown out of the
nest
in pre-Eden mythology
Fog this morning
the world surreal and
I
think isn’t the world
always surreal?
never mind
where are my friends
pelican and blue
heron
and I know
and can feel them
they are nesting
in my mind
Grande garça azul
(Wade Butler: pintor norte-americano)
Música Puramente
Interna
Pelicanos,
o nome deles
torna-se a forma
desajeitada
de si mesmos sobre a terra
– a patrulhar baixios
celestes,
logo transformada num
bailado
– mudando de novo
a projéteis emplumados
mergulhados n’água
– e todos esses três
seres, aglutinados num
só,
entram em meu crânio
durante o crepúsculo
cerebral,
tornando-me
habitado.
As garças azuis,
com pernas de
prendedor de roupa
e paciência inumana,
sobre as estremecidas
linhas costeiras
de nosso planeta verde-azulado
– a minha espécie e a
delas
estudando-se
mutuamente –,
são incapazes de acreditar
em nossa singularidade
bifurcada,
algo falho
no ato criador
por parte do deus das
garças
– pescoços curtos e
rejeitados,
atirados para fora do
ninho
na mitologia
pré-edênica.
Névoas nesta manhã
tornam o mundo
surreal – e eu
que penso não ser o
mundo
sempre surreal? –
não importa
onde se encontrem
meus amigos
pelicanos e garças
azuis:
sei que posso
senti-los
a aninharem-se
em minha mente.
Referência:
PURDY, Al. Purely internal music. In: __________. The more easily kept illusions: the poetry of Al Purdy. Selected with an introduction by Robert Budde and an afterword by Russell Morton Brown. Waterloo (ON/CA): Wilfrid Laurier University Press, 2006. p. 60-61. (LSP – Laurier Poetry Series)
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