Nota-se nestes versos de Graham uma transição entre os componentes materiais do mundo – um rio a representar o fluxo heraclitiano que ora se apressura ora desacelera ou entra em estase – e aquilo que se passa na mente da falante, em sua consciência, despertando-lhe a atenção.
Para tanto, os elementos mediadores da linguagem promovem uma reconfiguração do rio exterior – em seus espasmos de movimento e de constrição –, a um caudal manando entre os planos que medeiam da superfície ao mais profundo do ser.
Ante a passagem do tempo – esse promotor maior do assombro –, a voz lírica postula às águas do rio que se tornem “iridescentes", para que apresentem inúmeras perspectivas, carregadas de sentidos. Contudo, em resposta, o vento carrega as folhas e, em seus sussurros, deixa para trás apenas um rastro monotônico.
J.A.R. – H.C.
Jorie Graham
(n. 1950)
The Surface
It has a hole in it.
Not only where I
concentrate.
The river still
ribboning, twisting up,
into its re-
arrangements, chill enlightenments,
tight-knotted
quickenings
and loosenings – whispered
messages dissolving
the messengers –
the river still
glinting-up into its handfuls, heapings,
glassy
forgettings under the
river of
my attention –
and the river of my
attention laying itself down –
bending,
reassembling – over
the quick leaving-offs and windy
obstacles –
and the surface
rippling under the wind’s attention –
rippling over the
accumulations, the slowed-down drifting
permanences
of the cold
bed.
I say iridescent
and I look down.
The leaves very still
as they are carried.
In: “Materialism”
(1993)
Saída do Lago Achray
(Waller Hugh Paton:
pintor escocês)
A Superfície
Há nela uma cavidade.
Não somente onde
me concentro.
O rio ainda a
serpentear, enroscando-se,
em seus re-
arranjos, frias
luminosidades, constritas
celeridades
e afrouxamentos –
mensagens sussurradas dissolvendo
os mensageiros –
o rio ainda a resplandecer
em seus rompantes, transbordamentos,
vítreos
olvidos sob o rio da
minha atenção –
e o rio da minha atenção
estirando-se –
inclinando-se,
recompondo-se – sobre
as rápidas saídas e ventosos
obstáculos –
e a superfície
ondulando sob a atenção do vento –
ondulando sobre as
acumulações, as abrandadas e vagantes
permanências
do frio
leito.
Digo iridescente e
olho para baixo.
As folhas inertes
demais enquanto são carregadas.
Em: “Materialismo”
(1993)
Referência:
GRAHAM, Jorie. The surface. In: __________. The dream of the unified field: selected poems (1974-1994). Hopewell, NJ: The Eco Press, 1995. p. 197.
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