Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 10 de março de 2024

Jorie Graham - A Superfície

Nota-se nestes versos de Graham uma transição entre os componentes materiais do mundo – um rio a representar o fluxo heraclitiano que ora se apressura ora desacelera ou entra em estase – e aquilo que se passa na mente da falante, em sua consciência, despertando-lhe a atenção.

Para tanto, os elementos mediadores da linguagem promovem uma reconfiguração do rio exterior – em seus espasmos de movimento e de constrição –, a um caudal manando entre os planos que medeiam da superfície ao mais profundo do ser.

Ante a passagem do tempo – esse promotor maior do assombro –, a voz lírica postula às águas do rio que se tornem “iridescentes", para que apresentem inúmeras perspectivas, carregadas de sentidos. Contudo, em resposta, o vento carrega as folhas e, em seus sussurros, deixa para trás apenas um rastro monotônico.

J.A.R. – H.C.

 

Jorie Graham

(n. 1950)

 

The Surface

 

It has a hole in it. Not only where I

concentrate.

The river still ribboning, twisting up,

into its re-

arrangements, chill enlightenments, tight-knotted

quickenings

and loosenings – whispered messages dissolving

the messengers –

the river still glinting-up into its handfuls, heapings,

glassy

forgettings under the river of

my attention –

and the river of my attention laying itself down –

bending,

reassembling – over the quick leaving-offs and windy

obstacles –

and the surface rippling under the wind’s attention –

rippling over the accumulations, the slowed-down drifting

permanences

of the cold

bed.

I say iridescent and I look down.

The leaves very still as they are carried.

 

In: “Materialism” (1993)

 

Saída do Lago Achray

(Waller Hugh Paton: pintor escocês)

 

A Superfície

 

Há nela uma cavidade. Não somente onde

me concentro.

O rio ainda a serpentear, enroscando-se,

em seus re-

arranjos, frias luminosidades, constritas

celeridades

e afrouxamentos – mensagens sussurradas dissolvendo

os mensageiros –

o rio ainda a resplandecer em seus rompantes, transbordamentos,

vítreos

olvidos sob o rio da

minha atenção –

e o rio da minha atenção estirando-se –

inclinando-se,

recompondo-se – sobre as rápidas saídas e ventosos

obstáculos –

e a superfície ondulando sob a atenção do vento –

ondulando sobre as acumulações, as abrandadas e vagantes

permanências

do frio

leito.

Digo iridescente e olho para baixo.

As folhas inertes demais enquanto são carregadas.

 

Em: “Materialismo” (1993)

 

Referência:

 

GRAHAM, Jorie. The surface. In: __________. The dream of the unified field: selected poems (1974-1994). Hopewell, NJ: The Eco Press, 1995. p. 197.

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