Redigido na prisão,
em meados de jul/1944, este poema retrata o medo, a indignação e a turbulência
interior pelos quais então passava o teólogo e membro da resistência alemã ao
nazismo, em conflito com o que lhe parecia inautêntico em si mesmo, com a sua
própria identidade, à vista de que, sob dúvidas atrozes acerca de quem de fato fosse,
remanesceu-lhe a graça de depositar em Deus, seu fiel senhorio, a certeza de um
genuíno conhecimento.
Trata-se, como se vê, de um comovente testemunho de resiliência, mesmo em meio às maiores provações e indignidades, pela via da constância de um comportamento pacífico e nobre de um homem frágil, mas que se pauta por afirmar a sua humanidade em circunstâncias hediondas, desumanas, no mínimo desapiedadas.
J.A.R. – H.C.
Dietrich Bonhoeffer
(1906-1945)
Wer bin ich? Sie
sagen mir oft,
ich träte aus meiner
Zelle
gelassen und heiter
und fest,
wie ein Gutsherr aus
seinem Schloß.
Wer bin ich? Sie
sagen mir oft,
ich spräche mit
meinen Bewachern
frei und freundlich
und klar,
als hätte ich zu
gebieten.
Wer bin ich? Sie
sagen mir auch,
ich trüge die Tage
des Unglücks
gleichmütig lächelnd
und stolz,
wie einer, der Siegen
gewohnt ist.
Bin ich das wirklich,
was andere von mir sagen?
Oder bin ich nur das,
was ich selbst von mir weiß?
Unruhig, sehnsüchtig,
krank, wie ein Vogel im Käfig,
ringend nach
Lebensatem, als würgte mir einer die Kehle,
hungernd nach Farben,
nach Blumen, nach Vogelstimmen,
dürstend nach guten
Worten, nach menschlicher Nähe,
zitternd vor Zorn
über Willkür und kleinlichste Kränkung,
umgetrieben vom
Warten auf große Dinge,
ohnmächtig bangend um
Freunde in endloser Ferne,
müde und leer zum
Beten, zum Denken, zum Schaffen,
matt und bereit, von
allem Abschied zu nehmen?
Wer bin ich? Der oder
jener?
Bin ich denn heute
dieser und morgen ein andrer?
Bin ich beides
zugleich? Vor Menschen ein Heuchler
und vor mir selbst
ein verächtlich wehleidiger Schwächling?
Oder gleicht, was in
mir noch ist, dem geschlagenen Heer,
das in Unordnung
weicht vor schon gewonnenem Sieg?
Wer bin ich? Einsames
Fragen treibt mit mir Spott.
Wer ich auch bin, Du
kennst mich, Dein bin ich, o Gott!
Desalento
(Srecko Radivojcevic:
artista sérvio)
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
que saio da minha
cela
tão sereno, alegre e
firme
qual dono de um
castelo.
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
que da maneira como
falo aos guardas,
tão livremente, como
amigo e com clareza,
parece que esteja
mandando.
Quem sou eu? Também
me dizem
que suporto os dias
do infortúnio
impassível,
sorridente e com orgulho
como alguém que se acostumou
a vencer.
Sou mesmo o que os
outros dizem de mim?
Ou apenas sou o que
sei de mim mesmo?
Inquieto, saudoso e
doente, como um passarinho na gaiola,
sempre lutando por ar,
como se me sufocassem,
faminto de cores, de
flores, às vezes de pássaros,
sedento de palavras
boas, de proximidade humana,
tremendo de ira a
respeito da arbitrariedade e ofensa mesquinha,
nervoso à espera de
grandes coisas,
em angústia impotente
pela sorte de amigos distantes,
cansado e vazio até
para orar, para pensar, para produzir,
desanimado e pronto
para me despedir de tudo?
Quem sou eu? Este ou
aquele?
Sou hoje este e
amanhã um outro?
Sou porventura tudo
ao mesmo tempo? Perante as pessoas
um hipócrita?
E um covarde,
miserável diante de mim mesmo?
Ou será que aquilo
que ainda em mim perdura, seja como um exército
em derradeira fuga, à
vista da vitória já ganha?
Quem sou eu? A
própria pergunta nesta solidão de mim parece
pretender zombar.
Quem quer, porém, que
eu seja, Tu me conheces, ó meu Deus:
sou Teu.
(Verão de 1944)
Referências:
Em Alemão
BONHOEFFER, Dietrich.
Wer bin ich? Disponível neste endereço. Acesso em: 27 fev. 2024.
Em Português
BONHOEFFER, Dietrich.
Quem sou eu? Tradução de Nélio Schneider. In: __________. Resistência e
submissão: cartas e anotações escritas na prisão. Editado por Christian
Gremmels, Eberhard Bethge e Renate Bethge, em cooperação com Ilse Tödt. São
Leopoldo, RS: Sinodal; Escola Superior de Teologia (EST), 2003. p. 468-469.
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