Este poema de Gullar
fez-me lembrar do filme “Melancolia” (2011), do cineasta dinamarquês Lars von
Trier (n. 1956), no qual, em uma das cenas, a Terra colide com um fictício
planeta (muito embora o evento possa ser interpretado em seu sentido metafórico,
como se representasse, v.g., o desmoronamento da vida pessoal dos protagonistas
da película).
O poeta transcreve
certa passagem de um pensamento do francês Blaise Pascal (1623-1662), sobre o “eterno
silêncio” a atravessar o cosmos, essa imensidão inapreensível cuja ordem de
grandeza costuma-se avaliar em anos-luz, tamanha a sua expressividade.
Imersos em tão
desmesurada amplitude, paira a dúvida sobre o momento em que poderíamos ser
atingidos por um asteroide qualquer – esse “inimigo oculto” com potencial para
dar termo à experiência humana sobre a Terra –, se logo mais ou se daqui a
bilhões de anos (isto se não for a própria humanidade a sucumbir, em razão de seu
agir insano!).
J.A.R. – H.C.
Ferreira Gullar
(1930-2016)
Inimigo oculto
dizem que
em algum ponto do
cosmos
(le silence
éternel de ces espaces infinis m’effraie)
um pedaço negro de
rocha
– do tamanho de uma
cidade –
voa em nossa direção
perdido em meio a
muitos milhares de asteroides
impelido pelas
curvaturas do
espaço-tempo
extraviado entre
órbitas
e campos magnéticos
voa
em nossa direção
e quaisquer que sejam
os desvios
e extravios
de seu curso
deles resultará
matematicamente
a inevitável colisão
não se sabe se
quarta-feira próxima
ou no ano quatro
bilhões e cinquenta e dois
da era cristã
Asteroide atinge a
Terra
(Corey Ford: artista
norte-americana)
Referência:
GULLAR, Ferreira.
Inimigo oculto. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa companhia: poesia.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2003. p. 68.
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