Nada no céu prenuncia
que algo terá mudado o estado das coisas, quando um ano se encerra e outro se
inicia: a rigor, a tão aguardada mudança, distintivo de renovação e de aprimoramento,
tem gênese mediante um veio de esperança que aflora no coração do homem – “esse
bicho estelar que sonha (e luta)”.
Sonhar, para evocar
um ideal de movimento, de mudança de ordem ou de nível, pressupõe luta, esforço
para concretizar tais aspirações, uma ruptura dos padrões vigentes para que se
alterem atitudes, comportamentos, modos de agir. Mas não mudar por mudar, claro
está, senão mudar para promover um salto na qualidade da vida que se tem.
J.A.R. – H.C.
Ferreira Gullar
(1930-2016)
Ano-Novo
Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano-novo
começa.
E não começa
nem no céu nem no
chão
do planeta:
começa no coração.
Começa como a
esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de
homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta).
Em: “Barulhos” (1987)
Noite de Ano-Novo
(Amanda Kroll: artista
norte-americana)
Referência:
GULLAR, Ferreira. Ano-novo.
In: __________. Toda poesia. 18. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio,
2009. p. 379.
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