Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Ferreira Gullar - Ano-Novo

Nada no céu prenuncia que algo terá mudado o estado das coisas, quando um ano se encerra e outro se inicia: a rigor, a tão aguardada mudança, distintivo de renovação e de aprimoramento, tem gênese mediante um veio de esperança que aflora no coração do homem – “esse bicho estelar que sonha (e luta)”.

 

Sonhar, para evocar um ideal de movimento, de mudança de ordem ou de nível, pressupõe luta, esforço para concretizar tais aspirações, uma ruptura dos padrões vigentes para que se alterem atitudes, comportamentos, modos de agir. Mas não mudar por mudar, claro está, senão mudar para promover um salto na qualidade da vida que se tem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ferreira Gullar

(1930-2016)

 

Ano-Novo

 

Meia-noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.

Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso silêncio

da Via Láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça

nada ali indica

que um ano-novo começa.

E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.

Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver:

que isso é coisa de homem

esse bicho

estelar

que sonha

(e luta).

 

Em: “Barulhos” (1987)

 

Noite de Ano-Novo

(Amanda Kroll: artista norte-americana)

 

Referência:

 

GULLAR, Ferreira. Ano-novo. In: __________. Toda poesia. 18. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2009. p. 379. 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário