Chamie joga com as
palavras para criar associações reversas em relação à máxima “Os cães ladram e
a caravana passa”, em franca conexão com o lado pretensamente racional do pensamento
e, por extensão, da ação humana: “Caravana contrária” porque os que passam são
os cães ladrantes e não a caravana, nomeadamente os que julgam ter convicções no
âmbito da razão, certezas muitas vezes indemonstráveis, a bem mais revelar um
apetite pelo poder.
Notoriamente
explícitas são as transmutações elaboradas em tropos bastante empregados no domínio
dos postulados epistemológicos, como “teses sem antíteses” (“tese, antítese e
síntese”) ou “som sentido” (“sem sentido” ou nonsense): à convicção acerca da infalibilidade
do conhecimento opõe-se, “invicto”, o próprio “infinito” – esse mar de possibilidades
incógnitas, por onde voga desgovernado esse “caniço pensante”.
J.A.R. – H.C.
Mário Chamie
(1933-2011)
Caravana contrária
Os cães da razão
latem convictos.
Os seus latidos
são teses
sem antíteses.
Um vazio
som sentido.
Assíduos ruídos,
os cães passam
e invicto
persiste o infinito.
Passeio a cavalo
(Heywood Hardy:
pintor inglês)
Referência:
CHAMIE, Mário.
Caravana contrária. In: __________. Caravana contrária: poemas. São
Paulo, SP: Geração Editorial, 1998. p. 13.
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