Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Maura Dooley - História

Adstrito a referências históricas abstratas, o poema transcorre por meio do imaginário que palavras como “relíquias”, “osso”, “pulverulento” ou “museu” possam evocar à mente do leitor: a própria História surge metaforizada na figura de um “tobogã negro”, por onde o interlocutor da voz lírica resvala sem ter contato direto com os elementos tangíveis que cimentam os acontecimentos marcantes da crônica humana sobre a terra – a exemplo da queda do Muro de Berlim.

 

Como se pode inferir da elocução dos versos, a falante espera do presumível excursionista algo mais que partes desconexas dos fatos em que enredada a humanidade, enquanto pedaços do mundo postos em exibição nas alas de museus: de fato, encontra-se à espera de notícias marcantes – as constantes mudanças das fronteiras geográficas entre países ou que tais –, incrustadas no papel branco e desidratado das cartas, feito ossos sagrados de um santo, a ilustrar o clivo vivo e não inerte da História.

 

J.A.R. – H.C.

 

Maura Dooley

(n. 1957)

 

History

 

It’s only a week but already you are slipping

down the cold black chute of history. Postcards.

Phonecalls. It’s like never having seen the Wall,

except in pieces on the dusty shelves of friends.

 

Once I queued for hours to see the moon in a box

inside a museum, so wild it should have been kept

in a zoo at least but there it was, unremarkable,

a pile of dirt some god had shaken down.

 

I wait for your letters now: a fleet of strange cargo

with news of changing borders, a heart’s small

journeys. They’re like the relics of a saint.

Opening the dry white papers is kissing a bone.

 

O Turista

(Carolyn Francis: pintora norte-americana)

 

História

 

Uma semana apenas se foi, mas já estás resvalando

pelo frio e negro tobogã da história. Postais.

Chamadas telefônicas. É como nunca ter visto o Muro,

exceto em pedaços nas estantes poeirentas dos amigos.

 

Certa vez, fiquei horas na fila para ver a lua num contentor

dentro de um museu, tão selvagem que, no mínimo, deveria

ter sido mantida num zoo, mas lá estava ela, sem distinção,

um monte de barro que algum deus chacoalhara.

 

Agora aguardo tuas cartas: uma frota de cargas estranhas,

com notícias de fronteiras cambiantes, pequenas jornadas

de um coração. São como as relíquias de um santo.

Abrir os brancos e secos papéis é beijar um osso.

 

Referência:

 

DOOLEY, Maura. History. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st publ., 6th impr. Northumberland, EN: Bloodaxe Books, 2004. p. 75.

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