Adstrito a referências
históricas abstratas, o poema transcorre por meio do imaginário que palavras
como “relíquias”, “osso”, “pulverulento” ou “museu” possam evocar à mente do
leitor: a própria História surge metaforizada na figura de um “tobogã negro”,
por onde o interlocutor da voz lírica resvala sem ter contato direto com os
elementos tangíveis que cimentam os acontecimentos marcantes da crônica humana
sobre a terra – a exemplo da queda do Muro de Berlim.
Como se pode inferir
da elocução dos versos, a falante espera do presumível excursionista algo mais
que partes desconexas dos fatos em que enredada a humanidade, enquanto pedaços
do mundo postos em exibição nas alas de museus: de fato, encontra-se à espera de
notícias marcantes – as constantes mudanças das fronteiras geográficas entre
países ou que tais –, incrustadas no papel branco e desidratado das cartas,
feito ossos sagrados de um santo, a ilustrar o clivo vivo e não inerte da História.
J.A.R. – H.C.
Maura Dooley
(n. 1957)
History
It’s only a week but
already you are slipping
down the cold black
chute of history. Postcards.
Phonecalls. It’s like
never having seen the Wall,
except in pieces on
the dusty shelves of friends.
Once I queued for
hours to see the moon in a box
inside a museum, so
wild it should have been kept
in a zoo at least but
there it was, unremarkable,
a pile of dirt some
god had shaken down.
I wait for your
letters now: a fleet of strange cargo
with news of changing
borders, a heart’s small
journeys. They’re
like the relics of a saint.
Opening the dry white
papers is kissing a bone.
O Turista
(Carolyn Francis:
pintora norte-americana)
História
Uma semana apenas se
foi, mas já estás resvalando
pelo frio e negro
tobogã da história. Postais.
Chamadas telefônicas.
É como nunca ter visto o Muro,
exceto em pedaços nas
estantes poeirentas dos amigos.
Certa vez, fiquei
horas na fila para ver a lua num contentor
dentro de um museu, tão
selvagem que, no mínimo, deveria
ter sido mantida num
zoo, mas lá estava ela, sem distinção,
um monte de barro que
algum deus chacoalhara.
Agora aguardo tuas
cartas: uma frota de cargas estranhas,
com notícias de
fronteiras cambiantes, pequenas jornadas
de um coração. São
como as relíquias de um santo.
Abrir os brancos e
secos papéis é beijar um osso.
Referência:
DOOLEY, Maura. History.
In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st
publ., 6th impr. Northumberland, EN: Bloodaxe Books, 2004. p. 75.
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