Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Khalil Gibran - Sobre os filhos

Neste breve e instigante discurso, o “profeta” orienta os pais sobre como devem criar os seus filhos, não os tomando como sua propriedade, senão como parte de um projeto maior que se assume pela metáfora de uma alma que reside “na casa do amanhã”, imperscrutável mesmo para quem os gerou – meros arcos fletidos por meio dos quais se disparam os rebentos futuros.

 

Tem-se aí o cotejo antinômico entre a afeição egoísta e a altruísta, pois pretender que outrem seja o objeto de imposições que reflitam os pensamentos e interesses dos pais, a pretexto de que são estes que proveem o sustento dos filhos, torna o contexto uma cilada em que a liberdade é a peça liminarmente suprimida do tabuleiro do jogo da vida.

 

Pior é quando aquele que sofre a coação renuncia a jogar uma partida de cartas marcadas: poder-se-ia ilustrar a situação por meio de uma das cenas do marcante filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), do diretor australiano Peter Weir (n. 1944), na qual um dos rapazes protagonistas – Neil Perry –, sendo reiteradamente impedido de fazer o que deseja de sua vida, pois que seu pai tem outros projetos para ele, decide suicidar-se. Um fim trágico como corolário de um conflito de vontades aversas!

 

J.A.R. – H.C.

 

Khalil Gibran

(1883-1931)

 

Sobre os filhos

 

E uma mulher que segurava um bebê junto ao peito pediu: “Fale-nos dos Filhos”. Ao que ele disse:

 

Seus filhos não são seus.

São os filhos e as filhas do desejo da Vida por si mesma.

Chegam por meio de vocês, mas não são de vocês.

Embora estejam com vocês, não lhes pertencem.

Podem dar-lhes o amor, mas não os pensamentos, pois eles têm pensamentos próprios.

Podem abrigar-lhes o corpo, mas a alma, não, pois a alma deles mora na casa do amanhã, a qual não lhes é possível visitar, nem sequer em sonhos.

Podem esforçar-se por ser semelhantes a eles, porém não busquem torná-los iguais a vocês.

Pois a vida não segue para trás, nem se retarda no ontem.

O Arqueiro mira o alvo no caminho do infinito, e com Seu poder curva vocês para que Ele possa disparar suas flechas rápidas e distantes.

Que o ato de se curvarem sob a mão do Arqueiro seja pela alegria; pois, assim como Ele ama a flecha que voa, também ama o arco que se mantém estável.

 

Mulher taitiana com duas crianças

(Paul Gauguin: pintor francês)

 

Referência:

 

GIBRAN, Khalil. Sobre os filhos. Tradução de Alda Porto. In: __________. O profeta. Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP: Martin Claret, 2013. p. 27. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; v. 165)

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