Neste breve e
instigante discurso, o “profeta” orienta os pais sobre como devem criar os seus
filhos, não os tomando como sua propriedade, senão como parte de um projeto maior
que se assume pela metáfora de uma alma que reside “na casa do amanhã”,
imperscrutável mesmo para quem os gerou – meros arcos fletidos por meio dos
quais se disparam os rebentos futuros.
Tem-se aí o cotejo
antinômico entre a afeição egoísta e a altruísta, pois pretender que outrem
seja o objeto de imposições que reflitam os pensamentos e interesses dos pais,
a pretexto de que são estes que proveem o sustento dos filhos, torna o contexto
uma cilada em que a liberdade é a peça liminarmente suprimida do tabuleiro do
jogo da vida.
Pior é quando aquele
que sofre a coação renuncia a jogar uma partida de cartas marcadas: poder-se-ia
ilustrar a situação por meio de uma das cenas do marcante filme “Sociedade dos
Poetas Mortos” (1989), do diretor australiano Peter Weir (n. 1944), na qual um
dos rapazes protagonistas – Neil Perry –, sendo reiteradamente impedido de
fazer o que deseja de sua vida, pois que seu pai tem outros projetos para ele,
decide suicidar-se. Um fim trágico como corolário de um conflito de vontades aversas!
J.A.R. – H.C.
Khalil Gibran
(1883-1931)
Sobre os filhos
E uma mulher que
segurava um bebê junto ao peito pediu: “Fale-nos dos Filhos”. Ao que ele
disse:
Seus filhos não são
seus.
São os filhos e as
filhas do desejo da Vida por si mesma.
Chegam por meio de
vocês, mas não são de vocês.
Embora estejam com
vocês, não lhes pertencem.
Podem dar-lhes o
amor, mas não os pensamentos, pois eles têm pensamentos próprios.
Podem abrigar-lhes o
corpo, mas a alma, não, pois a alma deles mora na casa do amanhã, a qual não
lhes é possível visitar, nem sequer em sonhos.
Podem esforçar-se por
ser semelhantes a eles, porém não busquem torná-los iguais a vocês.
Pois a vida não segue
para trás, nem se retarda no ontem.
O Arqueiro mira o
alvo no caminho do infinito, e com Seu poder curva vocês para que Ele possa
disparar suas flechas rápidas e distantes.
Que o ato de se
curvarem sob a mão do Arqueiro seja pela alegria; pois, assim como Ele ama a
flecha que voa, também ama o arco que se mantém estável.
Mulher taitiana com
duas crianças
(Paul Gauguin: pintor
francês)
Referência:
GIBRAN, Khalil. Sobre os filhos. Tradução de Alda Porto. In: __________. O profeta. Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP: Martin Claret, 2013. p. 27. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; v. 165)
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