Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Adélia Prado - O Pai

Eivado de uma peculiar religiosidade, a voz lírica, neste poema, dá-nos conta de como se processa o seu contato com o divino, íntimo nos amorosos diminutivos pelos quais é tratada, poupada das tribulações e das adversidades do “mezzo del cammin”, pois que Deus somente costuma se revelar nos pontos extremos desta lida carregada de mistérios.

 

Mesmo os simples eventos que na natureza ocorrem, externando o sagrado, trazem-lhe gozo ao espírito, estremecendo-lhe a carne. A tais eventos, com frequência, opõem-se outros tantos, descomedidos, violentos até, infundindo medo e terror, perante os quais a falante, apavorada, opta por manter-se a distância: melhor desconhecer os desígnios divinos!

 

J.A.R. – H.C.

 

Adélia Prado

(n. 1935)

 

O Pai

 

Deus não fala comigo

nem uma palavrinha das que sussurra aos santos.

Sabe que tenho medo e, se o fizesse,

como um aborígine coberto de amuletos

sacrificaria aos estalidos da mata;

não me tirasse a vida um tal terror.

A seus afagos não sei como agradecer,

beija-flor que entra na tenda,

flor que sob meus olhos desabrocha,

três rolinhas imóveis sobre o muro

e uma alegria súbita,

gozo no espírito estremecendo a carne.

Mesmo depois de velha me trata como filhinha.

De tempestades, só mostra o começo e o fim.

 

Em: “Miserere” (2013)

 

Garotinha

(Adolphe Bouguereau: pintor francês)

 

Referência:

 

PRADO, Adélia. O pai. In: __________. Poesia reunida. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2015. p. 470.

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