A poetisa mineira, em
franca intertextualidade com alguns poemas da Nobel polonesa Wisława Szymborska
(1923-2012), dialoga com o tema do indecifrável no mundo, da busca de significados
para as coisas da vida, subjacentes aos modos de ser de cada ente sobre a face
da terra – mesmo os que, à primeira vista, parecem-nos inanimados, como uma
pedra.
Um olhar atento sobre
os versos de Marques permite que se deduzam alusões diretas a, pelo menos, três
poemas de Szymborska insertos na primeira seleta brasileira da autora, traduzida ao português por Regina Przybycien (“Poemas”: São Paulo, Cia. das Letras, 2011): “Conversa
com a pedra” (p. 33); “A mulher de Lot” (p. 56); e “Repenso o mundo” (p. 27).
Para os que prezam
colocar à prova a integridade dos seus neurônios ante uma boa argumentação
filosófica sobre os meandros da mente, da consciência e do ser, em associação aos seus correlatos de facticidade
e eventual inefabilidade, sugiro a leitura do instigante ensaio, de autoria do
sérvio Thomas Nagel (n. 1937), “Como é ser um morcego?” (v. aqui,
em espanhol, à p. 274-296).
J.A.R. – H.C.
Ana Martins Marques
(n. 1977)
Um jardim para Wisława
E o que farias
se a pedra
somente para ti
abrisse sua porta
(como se a ti
fizesse falta
uma porta)
e te recebesse
em seus salões
amplos
vazios?
E o que farias
se a planta
respondesse
e se apresentasse a
ti
com o nome que não
tem
e te contasse com que
classificações
somos dela
conhecidos?
Com que palavras
então
darias a conhecer
a fala da folha
o pensamento da pedra
(quiçá a mesma língua
com que fala
a mulher de Lot
após olhar para trás)
os aforismos do
ouriço
os sentimentos do
serrote
e todas as pequenas
palavras
trocadas
com os animais
pequenos?
Uma dama no jardim
(Edmund Leighton:
pintor inglês)
Referência:
MARQUES, Ana Martins.
Um jardim para Wisława. In: LAVELLE, Patrícia; BRITTO, Paulo Henriques (Orgs.).
O nervo do poema: antologia para Orides Fontela. 1. ed. Belo Horizonte,
BH: Relicário, 2018. p. 21-22.
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