Prévert aqui revela
toda a sua irreverência ao censurar o lado mais obscuro e retórico dos discursos
dos estadistas e outras figuras políticas, hipócritas e contraditórios até a
medula, pois que, ao mesmo tempo que sublinham a necessidade da paz para a
garantia do pacto civilizatório, fomentam, em sua prática diária, a guerra por
razões econômicas, ou seja, em face da “delicada questão do dinheiro”.
Poder-se-ia afirmar
que não somente são hipócritas e ocos os seus discursos sobre o valor da paz, como
também o são os termos eufemísticos empregados pelos detentores do poder para falarem
sobre os atos de guerra, sobretudo quando aludem a contextos nada abonadores,
como o morticínio real da população civil, digam o que queiram dizer os belicistas
a título do falacioso dístico dos “ataques cirúrgicos” a instalações militares!
J.A.R. – H.C.
Jacques Prévert
(1900-1977)
Le Discours sur la
paix
Vers la fin d’un
discours extrêmement important
le grand homme d’État
trébuchant
sur une belle phrase
creuse
tombe dedans
et désemparé la
bouche grande ouverte
haletant
montre les dents
et la carie dentaire
de ses pacifiques raisonnements
met à vif le nerf de la
guerre
la délicate question
d’argent.
Charlie Chaplin
em “O Grande Ditador”
(1940)
O Discurso sobre a
paz
Ao final de um
discurso extremamente importante,
o grande estadista,
tropeçando
em uma bela e oca
frase,
rende-se hesitante e,
desamparado, com a
boca bem aberta,
ofegante,
mostra os dentes
e a cárie dentária de
seus pacíficos raciocínios,
deixando exposto o
nervo da guerra:
a delicada questão do
dinheiro.
Referência:
PRÉVERT, Jacques. Le
Discours sur la paix. In: __________. Selections from ‘Paroles’. A
bilingual edition: french x english. Translated and introduced by Lawrence
Ferlinghetti. 1st reprint. Harmondsworth (MX/EN): Penguin Books, 1970. p. 114.
(‘Penguin Modern European Poets’)
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