Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Mia Couto - Janelas

Janelas são a imagem prototípica da abertura para o mundo, meios pelos quais os sentidos humanos são capazes de captar os elementos constituintes da realidade: no equilíbrio osmótico entre o que vai dentro e o que fora está, tornamo-nos capacitados a expandir o nosso campo de visão, mediante a abertura de suas folhas para ambos os lados em que dispostas.

 

Algo abstraída à sequência do tempo, posposta à longitude dos espaços, a voz do ente lírico passa a reverberar a integração consorciada do sujeito à paisagem ao redor, separada pela vidraça – é verdade –, mas apreendida pela retina e fixada aos veios da consciência, agora já memória que passa a correr assimilada ao caudal da vida.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mia Couto

(n. 1955)

 

Janelas

 

Demoro

a fechar janelas

porque me dói

a vida entre dentro e fora.

 

Meu gesto lento,

sem antes nem depois,

desconhece se abre ou se fecha

a janela de uma outra janela.

 

Sem longe nem perto,

entre sombra e além,

na casa onde meu corpo começa,

sou eu mesmo a terra que contemplo.

 

Depois do vidro,

perdida da sua própria imagem,

a paisagem ainda mora toda em mim.

E eu, já, nela.

 

Em: “Tradutor de Chuvas” (2011)

 

Janela Toscana

(Vikki Bouffard: pintora norte-americana)

 

Referência:

 

COUTO, Mia. Janelas. In: __________. Poemas escolhidos. Seleção do autor. Apresentação de José Castello. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. p. 161.

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