Janelas são a imagem
prototípica da abertura para o mundo, meios pelos quais os sentidos humanos são
capazes de captar os elementos constituintes da realidade: no equilíbrio
osmótico entre o que vai dentro e o que fora está, tornamo-nos capacitados a
expandir o nosso campo de visão, mediante a abertura de suas folhas para ambos
os lados em que dispostas.
Algo abstraída à
sequência do tempo, posposta à longitude dos espaços, a voz do ente lírico
passa a reverberar a integração consorciada do sujeito à paisagem ao redor, separada
pela vidraça – é verdade –, mas apreendida pela retina e fixada aos veios da
consciência, agora já memória que passa a correr assimilada ao caudal da vida.
J.A.R. – H.C.
Mia Couto
(n. 1955)
Janelas
Demoro
a fechar janelas
porque me dói
a vida entre dentro e
fora.
Meu gesto lento,
sem antes nem depois,
desconhece se abre ou
se fecha
a janela de uma outra
janela.
Sem longe nem perto,
entre sombra e além,
na casa onde meu
corpo começa,
sou eu mesmo a terra
que contemplo.
Depois do vidro,
perdida da sua
própria imagem,
a paisagem ainda mora
toda em mim.
E eu, já, nela.
Em: “Tradutor de
Chuvas” (2011)
Janela Toscana
(Vikki Bouffard:
pintora norte-americana)
Referência:
COUTO, Mia. Janelas.
In: __________. Poemas escolhidos. Seleção do autor. Apresentação de
José Castello. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. p. 161.
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