Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Friedrich Nietzsche - O Fanal

No fecho de sua experiência com as “sete solidões”, Zaratustra converte-se numa espécie de fanal, na tentativa de atrair “navegantes sem rumo” – isto é, outras tantas almas solitárias – para a sua morada, no cume de uma ilha entre dois mares, lá onde, em tese, teria atingido o ápice de sua pungente busca por sabedoria.

 

Não há como se abstrair o fato de que a poesia de Nietzsche acha-se fortemente permeada por conteúdos autobiográficos, digo melhor, por deduções, inferências e intuições que conformam grande parte do seu pensamento filosófico: linguagem e subjetividade à flor da pele, solidão e sofrimento que poderiam ser prognosticados como uma jornada catártica para uma vida de afirmação.

 

J.A.R. – H.C.

 

Friedrich Nietzsche

(1844-1900)

 

Das Feuerzeichen

 

Hier, wo zwischen Meeren die Insel wuchs,

ein Opferstein jäh hinaufgethürmt,

hier zündet sich unter schwarzem Himmel

Zarathustra seine Höhenfeuer an,

Feuerzeichen für verschlagne Schiffer,

Fragezeichen für Solche, die Antwort haben...

 

Diese Flamme mit weissgrauem Bauche

– in kalte Fernen züngelt ihre Gier,

nach immer reineren Höhen biegt sie den Hals –

eine Schlange gerad aufgerichtet vor Ungeduld:

dieses Zeichen stellte ich vor mich hin.

 

Meine Seele selber ist diese Flamme,

unersättlich nach neuen Fernen

lodert aufwärts, aufwärts ihre stille Gluth.

Was floh Zarathustra vor Thier und Menschen?

Was entlief er jäh allem festen Lande?

Sechs Einsamkeiten kennt er schon –,

aber das Meer selbst war nicht genug ihm einsam,

die Insel liess ihn steigen, auf dem Berg wurde

er zur Flamme,

nach einer siebenten Einsamkeit

wirft er suchend jetzt die Angel über sein Haupt.

 

Verschlagne Schiffer! Trümmer alter Sterne!

Ihr Meere der Zukunft! Unausgeforschte Himmel!

nach allem Einsamen werfe ich jetzt die Angel:

gebt Antwort auf die Ungeduld der Flamme,

fangt mir, dem Fischer auf hohen Bergen,

meine siebente, letzte Einsamkeit! – –

 

In: “Dionysos-Dithyramben” (1888)

 

Homem solitário

(Uwe Wenzel: artista alemão)

 

O Fanal

 

Aqui, onde entre mares cresceu a ilha,

pedra de ara súbito como torre erguida,

aqui acende sob um negro céu

Zaratustra os seus fogos das alturas, –

fanal pra navegantes sem rumo,

ponto de interrogação para os que têm resposta...

 

Esta chama de ventre esbranquiçado

– sua cobiça lança línguas a distâncias frias,

dobra o pescoço para alturas sempre mais puras –

cobra erguida a pino, de impaciência:

este sinal o pus eu em frente a mim.

 

A minha própria alma é esta chama:

insaciável de distâncias novas,

lança ao alto, ao alto o seu ardor silente.

Porque fugiu Zaratustra dos bichos e dos homens?

Porque se escapou de repente de toda a terra firme?

Sete solidões conhece ele já –,

mas o próprio mar não lhe era solitário bastante,

a ilha deixou-o subir, sobre o monte ele se fez chama,

a uma sétima solidão

lança buscando agora o seu anzol por sobre a fronte.

 

Navegantes sem rumo! Destroços de astros velhos!

Ó mares do futuro! Ó céus inexplorados!

lanço agora o anzol a tudo o que é solitário:

dai resposta à impaciência da chama,

agarrai para mim, pescador nos altos montes,

a minha sétima, última solidão! – –

 

Em: “Ditirambos Dionisíacos” (1888)

 

Referência:

 

NIETZSCHE, Friedrich. Das feuerzeichen / O fanal. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poemas. Antologia, versão portuguesa, prefácio e notas de Paulo Quintela. 3. ed. revista. Coimbra, PT: Centelha, 1986. Em alemão: p. 34; em português: p. 35. (Coleção ‘Poesia: autores universais; v. 2)

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