Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 21 de janeiro de 2024

Carlos Drummond de Andrade - Fazer 70 anos

Tendo por interlocutor o também escritor José Carlos Lisboa (1902-1994), Drummond reflete sobre a condição de ambos haverem atingido, no mesmo ano, a idade de 70 anos – feito muito mais atrelado à memória de tantas perdas sobrevindas com a idade, do que de ganhos ao redor dessa “estranha felicidade da velhice”.

 

Chegar aos 70 anos, segundo a voz lírica, seria atingir um ponto da jornada entre o passado – a latejar entre “esquecimentos e ruínas” – e o futuro duvidoso, ou melhor, “entre o já-foi e o não-será”, conquistando, deveras, uma vitória sabe-se lá a “que preço”: os “irmãos” em escorpião (CDA n. 31.10.1902 – JCL n. 4.11.1902) abraçam-se nessa “alegria pojada de tristeza”!

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

 

Fazer 70 anos

 

A José Carlos Lisboa

 

Fazer 70 anos não é simples.

A vida exige, para conseguirmos,

perdas e perdas do íntimo do ser,

como, em volta do ser, mil outras perdas.

 

Fazer 70 anos é fazer

catálogo de esquecimentos e ruínas.

Viajar entre o já-foi e o não-será.

É, sobretudo, fazer 70 anos,

alegria pojada de tristeza.

 

Ó José Carlos, irmão-em-Escorpião!

Nós o conseguimos...

E sorrimos

de uma vitória comprada por que preço?

Quem jamais o saberá?

 

À sombra dos 70 anos, dois mineiros

em silêncio se abraçam, conferindo

a estranha felicidade da velhice.

 

Retrato de um velho

(Milan Thomka-Mitrovský: pintor eslovaco)

 

Referência:

 

ANDRADE, Carlos Drummond de. Fazer 70 anos. In: __________. Amar se aprende amando. Rio de Janeiro, RJ: Record & Altaya, 1995. p. 41-42. (‘Mestres da Literatura Contemporânea)

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