Tendo por interlocutor
o também escritor José Carlos Lisboa (1902-1994), Drummond reflete sobre a
condição de ambos haverem atingido, no mesmo ano, a idade de 70 anos – feito muito
mais atrelado à memória de tantas perdas sobrevindas com a idade, do que de
ganhos ao redor dessa “estranha felicidade da velhice”.
Chegar aos 70 anos,
segundo a voz lírica, seria atingir um ponto da jornada entre o passado – a
latejar entre “esquecimentos e ruínas” – e o futuro duvidoso, ou melhor, “entre
o já-foi e o não-será”, conquistando, deveras, uma vitória sabe-se lá a “que
preço”: os “irmãos” em escorpião (CDA n. 31.10.1902 – JCL n. 4.11.1902)
abraçam-se nessa “alegria pojada de tristeza”!
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de
Andrade
(1902-1987)
Fazer 70 anos
A José Carlos Lisboa
Fazer 70 anos não é
simples.
A vida exige, para
conseguirmos,
perdas e perdas do
íntimo do ser,
como, em volta do
ser, mil outras perdas.
Fazer 70 anos é fazer
catálogo de
esquecimentos e ruínas.
Viajar entre o já-foi
e o não-será.
É, sobretudo, fazer
70 anos,
alegria pojada de
tristeza.
Ó José Carlos, irmão-em-Escorpião!
Nós o conseguimos...
E sorrimos
de uma vitória
comprada por que preço?
Quem jamais o saberá?
À sombra dos 70 anos,
dois mineiros
em silêncio se
abraçam, conferindo
a estranha felicidade
da velhice.
Retrato de um velho
(Milan Thomka-Mitrovský:
pintor eslovaco)
Referência:
ANDRADE, Carlos
Drummond de. Fazer 70 anos. In: __________. Amar se aprende amando. Rio
de Janeiro, RJ: Record & Altaya, 1995. p. 41-42. (‘Mestres da Literatura
Contemporânea)
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