Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Rainer Maria Rilke - Reflexões sobre a arte da poesia

Até como comentário à poesia, há que se ter talento para apreender, de algum modo, o que se passa na mente do poeta no momento mesmo de sua criação, não um ato de irrupção instantânea, como se deduz das infratranscritas palavras de Malte, senão algo que maturou em seu inconsciente e memória, como resultante de experiências vividas.

 

A obra de onde extraído o excerto abaixo – “Os cadernos de Malte Laurids Brigge”, de 1910 – consiste num inventário de reflexões literárias e históricas, algo ensaísticas, acomodadas numa linguagem poética e imaginativa: mesmo que se pretenda não haver, necessariamente, plena equivalência entre o que se associa ao pensamento de Malte e as ponderações do próprio autor da narrativa – Rilke –, não se pode descartar, de todo, que as lucubrações da figura ficcional não retrate, em alguma medida, certas formulações já assentes no espírito do poeta tcheco.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rainer Maria Rilke

(1875-1926)

 

11. September, Rue Toullier

 

Ach, (...) aber mit Versen ist so wenig getan, wenn man sie früh schreibt. Man sollte warten damit und Sinn und Süßigkeit sammeln ein ganzes Leben lang und ein langes womöglich, und dann, ganz zum Schluß, vielleicht könnte man dann zehn Zeilen schreiben, die gut sind. Denn Verse sind nicht, wie die Leute meinen, Gefühle (die hat man früh genug), – es sind Erfahrungen. Um eines Verses willen muß man viele Städte sehen, Menschen und Dinge, man muß die Tiere kennen, man muß fühlen, wie die Vögel fliegen, und die Gebärde wissen, mit welcher die kleinen Blumen sich auftun am Morgen. Man muß zurückdenken können an Wege in unbekannten Gegenden, an unerwartete Begegnungen und an Abschiede, die man lange kommen sah, – an Kindheitstage, die noch unaufgeklärt sind, an die Eltern, die man kränken mußte, wenn sie einem eine Freude brachten und man begriff sie nicht (es war eine Freude für einen anderen –), an Kinderkrankheiten, die so seltsam anheben mit so vielen tiefen und schweren Verwandlungen, an Tage in stillen, verhaltenen Stuben und an Morgen am Meer, an das Meer überhaupt, an Meere, an Reisenächte, die hoch dahinrauschten und mit allen Sternen flogen, – und es ist noch nicht genug, wenn man an alles das denken darf. Man muß Erinnerungen haben an viele Liebesnächte, von denen keine der andern glich, an Schreie von Kreißenden und an leichte, weiße, schlafende Wöchnerinnen, die sich schließen. Aber auch bei Sterbenden muß man gewesen sein, muß bei Toten gesessen haben in der Stube mit dem offenen Fenster und den stoßweisen Geräuschen. Und es genügt auch noch nicht, daß man Erinnerungen hat. Man muß sie vergessen kön nen, wenn es viele sind, und man muß die große Geduld haben, zu warten, daß sie wiederkommen. Denn die Erinnerungen selbst es noch nicht. Erst wenn sie Blut werden in uns, Blick und Gebärde, namenlos und nicht mehr zu unterscheiden von uns selbst, erst dann kann es geschehen, daß in einer sehr seltenen Stunde das erste Wort eines Verses aufsteht in ihrer Mitte und aus ihnen ausgeht.

 

Através da Janela

(Harold Knight: pintor inglês)

 

11 de setembro, Rue Toullier

 

Ah, (...) versos escritos cedo não são grande coisa! Deveríamos esperar para escrever, e juntar senso e doçura por uma vida inteira, longa, se possível, e então, bem no fim, talvez pudéssemos escrever dez linhas que fossem boas. Pois versos não são, como pensam as pessoas, sentimentos (deles temos o bastante na juventude) – são experiências. Por causa de um único verso é preciso ver muitas cidades, pessoas e coisas, é preciso conhecer os animais, é preciso sentir como os pássaros voam e saber com que gestos as pequenas flores se abrem pela manhã. E preciso ser capaz de recordar caminhos em regiões desconhecidas, encontros inesperados e despedidas que vemos se aproximar por longo tempo – dias de infância, ainda inexplicados, os pais que tínhamos de magoar quando nos traziam um presente e não o entendíamos (era um presente para outro...), doenças de infância que começam tão estranhamente, com tantas metamorfoses profundas e difíceis, dias em quartos quietos e reservados, e manhãs junto ao mar, sobretudo o mar, os mares, as noites de viagem que passavam ruidosamente e voavam com todas as estrelas – e ainda não é o bastante se precisamos pensar em tudo isso. É preciso ter lembranças de muitas noites de amor, todas diferentes entre si, de gritos de mulheres dando à luz e de parturientes leves, brancas, a dormir, que se fecham. Mas também é preciso ter estado junto a moribundos, é preciso ter estado sentado junto a mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos intermitentes. Mas ainda não basta ter recordações. É preciso ser capaz de esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que retomem. Pois elas ainda não são as recordações mesmas. Apenas quando elas se tomam sangue em nós, olhar e gesto, anônimas e indistinguíveis de nós mesmos, só então poderá acontecer que numa hora muito rara se levante e saia do meio delas a primeira palavra de um verso.

 

Referências:

 

Em Alemão

 

RILKE, Rainer Maria. 11. september, rue Toullier. In: __________. Die aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp Verlag, 1975. s. 21-22.

 

Em Português

 

RILKE, Rainer Maria. 11 de setembro, rue Toullier. Tradução de Renato Zwick. In: __________. Os cadernos de Malte Laurids Brigge. Tradução e notas de Renato Zwick. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009. p. 19-20. (‘L&PM pocket’; v. 809)

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