Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Guadalupe Grande - Legião de pombas

As pombas regressam à paisagem citadina, algo combalidas, estropiadas, famintas, feridas – como se houvessem passado por um processo de sublimação –, já agora à procura de meios para restaurar suas forças: pombas que migraram a plagas distantes, sequiosas de algum sinal verde de esperança, mas que deram com paragens frias, aziagas, belicosas até.

 

Pombas que regressam do “hospital da memória”, pois que ali foram parar porque as lágrimas salgadas lhes empaparam as feridas – sofrimento, percalços, agravos: trazem em seus “cotos” a mensagem do “naufrágio”. Sabe-se lá se a fome de aventuras haverá de se atenuar ou se a perspectiva de novos “alimentos” representa uma divisa suficientemente robusta em direção ao porvir...

 

J.A.R. – H.C.

 

Guadalupe Grande

(1965-2021)

 

Legión de palomas

 

De qué hospital regresan,

de qué campo de cristal,

de qué nevada llanura

enfangada ahora en el asfalto.

 

Un puñado de pan para sus buches,

un puñado de sal en sus heridas.

 

Han regresado, han ido regresando,

han venido a regresar

como llega un remoto recuerdo,

como llega una vieja memoria sin palabras,

como si cayera del paladar hasta la lengua

una antigua lágrima,

una paloma que regresa del luto,

una paloma que viene de la guerra

y que ahora no sabe

si volar, si andar, si caer,

si anudar sus alas a las velas

o a la marea de parabrisas mansos que atraviesa la ciudad.

 

De qué hospital de la memoria han regresado:

se mueven entre los edifícios

como un banco de peces en la bruma,

atraviesan el humo

guiadas por la memoria de la obstinación,

circulan entre arrecifes de antenas, cabies, chimeneas, cornisas,

toldos, no lo sé.

Golpean con su pecho gris contra el asfalto,

regresan del mar de la memoria, no existen, tan sólo regresan,

regresan,

vienen a regresar,

vienen con un aroma blanco olvido

blanco ya no existo,

blanco una vez fue lejos, verde nunca

ahora contra el cielo.

 

Espuma de sal en sus heridas,

vendas de pan para sus buches.

 

Vienen, regresan, han regresado,

han tomado la ciudad.

 

Traen una venda de nieve entre sus alas,

traen un mensaje de guerra entre la sal,

traen un naufragio gris atado en sus muñones.

 

Pombas

(Amelly Abraham: pintora alemã)

 

Legião de pombas

 

De que hospital regressam,

de que campo de cristal,

de que planície nevada

enlameada agora no asfalto.

 

Um bocado de pão para seus papos,

um bocado de sal nas suas feridas.

 

Regressaram, foram regressando,

vieram para regressar

como chega uma lembrança remota,

como chega uma velha memória sem palavras,

como se caísse do paladar até a língua

uma antiga lágrima,

uma pomba que regressa do luto,

uma pomba que vem da guerra

e que agora não sabe

se voar, se andar, se cair,

se amarrar suas asas às velas

ou à maré de para-brisas mansos que atravessa a cidade.

 

De que hospital da memória regressaram:

movem-se entre os edifícios

como um cardume na bruma,

atravessam a fumaça

guiadas pela memória da obstinação,

circulam entre arrecifes de antenas, cabos, chaminés, cornijas,

toldos, não sei.

Golpeiam seu peito cinzento contra o asfalto,

voltam do mar da memória, não existem, apenas voltam,

voltam,

vêm para regressar,

vêm com um branco aroma esquecimento

branco já não existo,

branco uma vez foi longe, verde nunca

agora contra o céu.

 

Espuma de sal nas suas feridas,

vendas de pão para seus papos.

 

Vêm, voltam, voltaram,

tomaram a cidade.

 

Trazem uma venda de neve entre suas asas,

trazem uma mensagem de guerra entre o sal,

trazem um naufrágio cinza atado a seus cotos.

 

Referência:

 

GRANDE, Guadalupe. Legión de palomas / Legião de pombas. Tradução de Ronaldo Costa Fernandes. Revista Brasileira. Fase VII, julho-agosto-setembro 2010, ano XVI, n. 64. Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro (RJ). Em espanhol: p. 305, 307 e 309; em português: 304, 306 e 308. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 ago. 2023.

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