As pombas regressam à
paisagem citadina, algo combalidas, estropiadas, famintas, feridas – como se
houvessem passado por um processo de sublimação –, já agora à procura de meios para
restaurar suas forças: pombas que migraram a plagas distantes, sequiosas de
algum sinal verde de esperança, mas que deram com paragens frias, aziagas, belicosas
até.
Pombas que regressam
do “hospital da memória”, pois que ali foram parar porque as lágrimas salgadas
lhes empaparam as feridas – sofrimento, percalços, agravos: trazem em seus “cotos”
a mensagem do “naufrágio”. Sabe-se lá se a fome de aventuras haverá de se
atenuar ou se a perspectiva de novos “alimentos” representa uma divisa suficientemente
robusta em direção ao porvir...
J.A.R. – H.C.
Guadalupe Grande
(1965-2021)
Legión de palomas
De qué hospital
regresan,
de qué campo de
cristal,
de qué nevada llanura
enfangada ahora en el
asfalto.
Un puñado de pan para
sus buches,
un puñado de sal en
sus heridas.
Han regresado, han
ido regresando,
han venido a regresar
como llega un remoto
recuerdo,
como llega una vieja
memoria sin palabras,
como si cayera del
paladar hasta la lengua
una antigua lágrima,
una paloma que
regresa del luto,
una paloma que viene
de la guerra
y que ahora no sabe
si volar, si andar,
si caer,
si anudar sus alas a
las velas
o a la marea de
parabrisas mansos que atraviesa la ciudad.
De qué hospital de la
memoria han regresado:
se mueven entre los
edifícios
como un banco de
peces en la bruma,
atraviesan el humo
guiadas por la
memoria de la obstinación,
circulan entre
arrecifes de antenas, cabies, chimeneas, cornisas,
toldos, no lo sé.
Golpean con su pecho
gris contra el asfalto,
regresan del mar de
la memoria, no existen, tan sólo regresan,
regresan,
vienen a regresar,
vienen con un aroma
blanco olvido
blanco ya no existo,
blanco una vez fue
lejos, verde nunca
ahora contra el
cielo.
Espuma de sal en sus heridas,
vendas de pan para
sus buches.
Vienen, regresan, han
regresado,
han tomado la ciudad.
Traen una venda de
nieve entre sus alas,
traen un mensaje de
guerra entre la sal,
traen un naufragio
gris atado en sus muñones.
Pombas
(Amelly Abraham:
pintora alemã)
Legião de pombas
De que hospital
regressam,
de que campo de
cristal,
de que planície
nevada
enlameada agora no
asfalto.
Um bocado de pão para
seus papos,
um bocado de sal nas
suas feridas.
Regressaram, foram regressando,
vieram para regressar
como chega uma
lembrança remota,
como chega uma velha
memória sem palavras,
como se caísse do
paladar até a língua
uma antiga lágrima,
uma pomba que
regressa do luto,
uma pomba que vem da
guerra
e que agora não sabe
se voar, se andar, se
cair,
se amarrar suas asas
às velas
ou à maré de
para-brisas mansos que atravessa a cidade.
De que hospital da
memória regressaram:
movem-se entre os
edifícios
como um cardume na
bruma,
atravessam a fumaça
guiadas pela memória
da obstinação,
circulam entre
arrecifes de antenas, cabos, chaminés, cornijas,
toldos, não sei.
Golpeiam seu peito
cinzento contra o asfalto,
voltam do mar da
memória, não existem, apenas voltam,
voltam,
vêm para regressar,
vêm com um branco
aroma esquecimento
branco já não existo,
branco uma vez foi
longe, verde nunca
agora contra o céu.
Espuma de sal nas
suas feridas,
vendas de pão para
seus papos.
Vêm, voltam,
voltaram,
tomaram a cidade.
Trazem uma venda de
neve entre suas asas,
trazem uma mensagem
de guerra entre o sal,
trazem um naufrágio
cinza atado a seus cotos.
Referência:
GRANDE, Guadalupe. Legión
de palomas / Legião de pombas. Tradução de Ronaldo Costa Fernandes. Revista Brasileira.
Fase VII, julho-agosto-setembro 2010, ano XVI, n. 64. Academia Brasileira de
Letras, Rio de Janeiro (RJ). Em espanhol: p. 305, 307 e 309; em português: 304,
306 e 308. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 ago.
2023.
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