Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Eavan Boland - Autorretrato Numa Noite de Verão

Traçando conexões entre os elementos distintivos de uma tela do pintor francês Jean-Baptiste Chardin (1699-1779) e pormenores encontradiços na vida diária, Boland se autoidentifica como a mulher que o artista capturou em sua pintura, naquilo que se revela ao observador em sua realidade doméstica, integrada por rotinas e rituais.

 

Se, por um lado, a poetisa se esmera em descrever o que de mais notável existe na obra de Chardin – luzes, cores, matizes e o arcabouço das composições –, por outro, “diante de teus olhos / diante de teus olhos”, coloca-nos em reserva para que não reduzamos o quotidiano feminino nela retratado a estereotipadas imagens, pois que, longe de quaisquer inferências naturalísticas, as relações humanas são criações sociais mutáveis ao correr da história.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eavan Boland

(1944-2020)

 

Self-Portrait on a Summer Evening

 

Jean-Baptiste Chardin

is painting a woman

in the last summer light.

 

All summer long

he has been slighting her

in botched blues, tints

half-tones, rinsed neutrals.

 

What you are watching

is light unlearning itself,

an infinite unfrocking of the prism.

 

Before your eyes

the ordinary life

is being glazed over:

pigments of the bibelot

the cabochon, the water-opal

pearl to the intimate

simple colours of

her ankle-length summer skirt.

 

Truth makes shift:

the triptych shrinks

to the cabinet picture.

 

Can’t you feel it?

Aren’t you chilled by it?

The way the late afternoon

is reduced to detail –

 

the sky that odd shape of apron –

 

opaque, scumbled,

the lazulis of the horizon becoming

optical greys

before your eyes

before your eyes

in my ankle-length

summer skirt

 

crossing between

the garden and the house,

under the whitebeam trees,

keeping an eye on

the length of the grass,

the height of the hedge,

the distance of the children

 

I am Chardin’s woman

 

edged in reflected light,

hardened by

the need to be ordinary.

 

A Lavadeira

(Jean-Baptiste Chardin: pintor francês)

 

Autorretrato Numa Noite de Verão

 

Jean-Baptiste Chardin

está pintando uma mulher

na última luz do verão.

 

O verão todo

ele a rabiscou

com tons azuis, remendos,

meio-tons, neutros apagados.

 

O que tu vês

é a luz a se revelar,

um desvendar infinito do prisma.

 

Diante de teus olhos

a vida prosaica

sendo esboçada:

os pigmentos do bibelô,

o cabochão, a pérola

opala-marinha

as cores simples, íntimas

de sua longa saia de verão.

 

A verdade se altera:

o tríptico diminui,

e se encolhe no armário do escritório.

 

Não consegues sentir?

Não percebes a maneira

pela qual a tardinha

é reduzida ao detalhe –

 

o céu, aquela estranha sombra de avental –

 

opaca, atenuada –

o lápis-lazúli do horizonte se tornando

cinzas óticos

diante de teus olhos

diante de teus olhos

em minha longa

saia de verão

 

atravessando

o jardim e a casa

debaixo dos lódãos brancos,

de olho

na altura da grama,

na altura da cerca,

na distância das crianças

 

Eu sou a mulher de Chardin

 

emoldurada na luz refletida,

endurecida

pela necessidade de ser comum.

 

Referência:

 

Boland, Eavan. Self-portrait on a summer evening / Autorretrato numa noite de verão. Tradução de Gisele Giandoni Wolkoff. In: WOLKOFF, Gisele Giandoni. Três poemas traduzidos de Eavan Boland. Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos de literatura em tradução, nº 8, 2007, p. 203-213. Em inglês: p. 210-211; em português: p. 212-213. Disponível neste endereço. Acesso em: 2 ago. 2023.

Nenhum comentário:

Postar um comentário