Traçando conexões
entre os elementos distintivos de uma tela do pintor francês Jean-Baptiste
Chardin (1699-1779) e pormenores encontradiços na vida diária, Boland se
autoidentifica como a mulher que o artista capturou em sua pintura, naquilo que
se revela ao observador em sua realidade doméstica, integrada por rotinas e
rituais.
Se, por um lado, a
poetisa se esmera em descrever o que de mais notável existe na obra de Chardin –
luzes, cores, matizes e o arcabouço das composições –, por outro, “diante de
teus olhos / diante de teus olhos”, coloca-nos em reserva para que não reduzamos
o quotidiano feminino nela retratado a estereotipadas imagens, pois que, longe de
quaisquer inferências naturalísticas, as relações humanas são criações sociais mutáveis
ao correr da história.
J.A.R. – H.C.
Eavan Boland
(1944-2020)
Self-Portrait on a
Summer Evening
Jean-Baptiste Chardin
is painting a woman
in the last summer
light.
All summer long
he has been slighting
her
in botched blues,
tints
half-tones, rinsed
neutrals.
What you are watching
is light unlearning
itself,
an infinite
unfrocking of the prism.
Before your eyes
the ordinary life
is being glazed over:
pigments of the
bibelot
the cabochon, the
water-opal
pearl to the intimate
simple colours of
her ankle-length
summer skirt.
Truth makes shift:
the triptych shrinks
to the cabinet
picture.
Can’t you feel it?
Aren’t you chilled by
it?
The way the late
afternoon
is reduced to detail –
the sky that odd
shape of apron –
opaque, scumbled,
the lazulis of the
horizon becoming
optical greys
before your eyes
before your eyes
in my ankle-length
summer skirt
crossing between
the garden and the
house,
under the whitebeam
trees,
keeping an eye on
the length of the
grass,
the height of the
hedge,
the distance of the
children
I am Chardin’s woman
edged in reflected
light,
hardened by
the need to be
ordinary.
A Lavadeira
(Jean-Baptiste
Chardin: pintor francês)
Autorretrato Numa
Noite de Verão
Jean-Baptiste Chardin
está pintando uma
mulher
na última luz do
verão.
O verão todo
ele a rabiscou
com tons azuis,
remendos,
meio-tons, neutros
apagados.
O que tu vês
é a luz a se revelar,
um desvendar infinito
do prisma.
Diante de teus olhos
a vida prosaica
sendo esboçada:
os pigmentos do
bibelô,
o cabochão, a pérola
opala-marinha
as cores simples,
íntimas
de sua longa saia de
verão.
A verdade se altera:
o tríptico diminui,
e se encolhe no
armário do escritório.
Não consegues sentir?
Não percebes a
maneira
pela qual a tardinha
é reduzida ao detalhe
–
o céu, aquela
estranha sombra de avental –
opaca, atenuada –
o lápis-lazúli do
horizonte se tornando
cinzas óticos
diante de teus olhos
diante de teus olhos
em minha longa
saia de verão
atravessando
o jardim e a casa
debaixo dos lódãos
brancos,
de olho
na altura da grama,
na altura da cerca,
na distância das
crianças
Eu sou a mulher de
Chardin
emoldurada na luz
refletida,
endurecida
pela necessidade de
ser comum.
Referência:
Boland, Eavan. Self-portrait
on a summer evening / Autorretrato numa noite de verão. Tradução de Gisele Giandoni
Wolkoff. In: WOLKOFF, Gisele Giandoni. Três poemas traduzidos de Eavan Boland. Universidade
de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos
de literatura em tradução, nº 8, 2007, p. 203-213. Em inglês: p. 210-211;
em português: p. 212-213. Disponível neste endereço. Acesso em: 2 ago.
2023.
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