Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Louise Glück - O Fio da Navalha

Em tom monológico e com imagens provocativas, por vezes a incursionar por sugestões de ordem sexual, Glück procura desvelar neste poema a condição da mulher em uma sociedade centrada em valores masculinos, forçada pelas circunstâncias a suportar uma relação assimétrica com o esposo, quase ao nível da subserviência.

 

A voz lírica bem enxerga a realidade desditosa a que submetida, tendo que gerar os filhos, submeter-se às vontades sexuais do esposo, contentar-se com as sobras. E a par de tudo isso, como se ele não estivesse satisfeito, ter que lhe tolerar a expressão de tédio... – porque para uma família que ainda se arrima numa relação patriarcal, não há que se falar em equilíbrio entre os pratos da balança.

 

J.A.R. – H.C.

 

Louise Glück

(n. 1943)

 

The Edge

 

Time and again, time and again I tie

My heart to that headboard

While my quilted cries

Harden against his hand. He’s bored –

I see it. Don’t I lick his bribes, set his bouquets

In water? Over Mother’s lace I watch him drive

into the gored

Roasts, deal slivers in his mercy… I can feel his thighs

Against me for the children’s sakes. Reward?

Mornings, crippled with this house,

I see him toast his toast and test

His coffee, hedgingly. The waste’s my breakfast.

 

In: “Firsborn” (1968)

 

Ilustração vitoriana do século XIX

(Autoria não identificada)

 

O Fio da Navalha

 

Sempre e de novo, sempre e de novo, amarro

Meu coração na cabeceira desta cama

Enquanto meus gritos costurados no edredom

Tomam-se duros contra sua mão. Que ele está chateado...

Eu vejo. Não lambo, por acaso, as suas esmolas,

Não coloco n’água seus buquês? Sobre a renda da Mãe

fico espiando

Ele babar sobre o bife mal passado, lascas de uma transa

Por misericórdia... Eu posso sentir suas coxas contra mim

Tendo em vista os filhos. Recompensa?

Nas manhãs, frustrada com esta casa,

O vejo torrar sua torrada e provar seu café,

A se esquivar. O resto é o meu primeiro-almoço.

 

Em: “Primogênito” (1968)

 

Referência:

 

GLÜCK, Louise. The edge / O fio da navalha. Tradução de Marcos Konder Reis. In: KEYS, Kerry Shawn. Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue: inglês x português. Vários tradutores. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 256; em português: 257.

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