Em tom monológico e
com imagens provocativas, por vezes a incursionar por sugestões de ordem sexual,
Glück procura desvelar neste poema a condição da mulher em uma sociedade
centrada em valores masculinos, forçada pelas circunstâncias a suportar uma
relação assimétrica com o esposo, quase ao nível da subserviência.
A voz lírica bem
enxerga a realidade desditosa a que submetida, tendo que gerar os filhos, submeter-se
às vontades sexuais do esposo, contentar-se com as sobras. E a par de tudo isso,
como se ele não estivesse satisfeito, ter que lhe tolerar a expressão de tédio...
– porque para uma família que ainda se arrima numa relação patriarcal, não há
que se falar em equilíbrio entre os pratos da balança.
J.A.R. – H.C.
Louise Glück
(n. 1943)
The Edge
Time and again, time
and again I tie
My heart to that
headboard
While my quilted
cries
Harden against his
hand. He’s bored –
I see it. Don’t I
lick his bribes, set his bouquets
In water? Over
Mother’s lace I watch him drive
into the gored
Roasts, deal slivers
in his mercy… I can feel his thighs
Against me for the
children’s sakes. Reward?
Mornings, crippled
with this house,
I see him toast his
toast and test
His coffee,
hedgingly. The waste’s my breakfast.
In: “Firsborn” (1968)
Ilustração vitoriana
do século XIX
(Autoria não
identificada)
O Fio da Navalha
Sempre e de novo,
sempre e de novo, amarro
Meu coração na cabeceira
desta cama
Enquanto meus gritos
costurados no edredom
Tomam-se duros contra
sua mão. Que ele está chateado...
Eu vejo. Não lambo,
por acaso, as suas esmolas,
Não coloco n’água
seus buquês? Sobre a renda da Mãe
fico espiando
Ele babar sobre o
bife mal passado, lascas de uma transa
Por misericórdia...
Eu posso sentir suas coxas contra mim
Tendo em vista os
filhos. Recompensa?
Nas manhãs, frustrada
com esta casa,
O vejo torrar sua
torrada e provar seu café,
A se esquivar. O
resto é o meu primeiro-almoço.
Em: “Primogênito”
(1968)
Referência:
GLÜCK, Louise. The
edge / O fio da navalha. Tradução de Marcos Konder Reis. In: KEYS, Kerry Shawn.
Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana.
Antologia bilíngue: inglês x português. Vários tradutores. São Paulo, SP:
Escrita, 1980. Em inglês: p. 256; em português: 257.
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