Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Irene Lisboa - O Belo Verso

Aspirando à escrita de um belo verso, a poetisa tenciona atingir a sonoridade, a elegância, a correção e a textura marmórea de um texto pejado de coisas com as quais se sonha, recolha franca do que, a inspirando, outros poetas se põem a cantar, de modo a suscitar o “êxtase” e o “embalo” que ao espírito deslumbra.

 

No fundo, pretende a voz lírica superar seus próprios “versos falhados”, “palavrosos” acerca do “nada”, a exaltarem o “desejo por uma lírica arrebatada, infixa, de espumosa sensualidade”, tal que os seus atributos “aéreos” passem agora a algo mais “lapidar”, consistente, lavrado sobre a elegância do mármore.

 

J.A.R. – H.C.

 

Irene Lisboa

(1892-1958)

 

O Belo Verso

 

Apetecia-me escrever um belo verso.

Sonoro, elegante, correcto, de mármore!

Nele pôr o que outros me inspirassem.

O que ali aquele poeta estava cantando.

Ele o cantava e eu o repetia.

Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha ansiedade.

Mas verso bem feito!

Cheio do que se sonha, não do que se sente.

Parece-me pobre o que sinto.

E vulgar.

Estes olhos que sem querer se envidraçam, fúteis,

sem recato, infantis, esta voz insegura, enfim, tudo isto…

Que figura iriam fazer dentro de um verso elegante, lapidar?

Belo verso trair-te-iam, roubar-te-iam toda a graça e até

a ressonância, o êxtase e aquela espécie de embalo

que ao espírito sempre dás.

Mas sinceramente me apetecia escrever um verso

de mármore belo!

Tudo, tudo por causa daquele poema…

Daquela exaltação do desejo, daquele arrebatamento lírico,

infixo, daquela sensualidade espumosa...

Meu velhíssimo verso falhado, meu, não o dos outros...

Com que te haveria eu de ilustrar?

Com que te encher, meu divino, lúcilo, aéreo,

palavroso poema do nada?

 

Em: “Outono Havias de Vir” (1937)

 

Nostalgia

(Claire Desjardins: artista canadense)

 

Referência:

 

LISBOA, Irene. O belo verso. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1195.

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