Robustamente visionárias,
estas estâncias do poeta belga evocam as grandes cidades e o poder que têm de a
tudo conspurcar, arrastando levas de trabalhadores dos campos para as grandes
urbes, recém-imersas na voragem da revolução industrial, como se tentaculares seres
fossem a promover o “desencantamento do mundo”.
O poeta fala no mister
de se pesquisar a “vida imensa” que há “no fermento, na poeira, no átomo”, para
que o “novo ser” se torne uma espécie de síntese integral do universo. Nesse
sentido, alude aos labores, “isolados ou conjuntos”, dos “heróis”, dos “artistas”,
dos “sábios”, dos “aventureiros”, dos “apóstolos”, os quais, contra ventos e
marés, viabilizariam aos “campos” – metáfora de um mundo cediço – tornarem-se o
sítio onde se daria a regeneração da humanidade.
J.A.R. – H.C.
Émile Verhaeren
(1855-1916)
Vers le Futur
O race humaine aux
destins d’or vouée,
As-tu senti de quel
travail formidable et battant,
Soudainement, depuis
cent ans,
Ta force immense est
secouée?
L’acharnement à mieux
chercher, à mieux savoir,
Fouille comme à
nouveau l’ample forêt des êtres,
Et malgré la
broussaille où tel pas s’enchevêtre
L’homme conquiert sa
loi des droits et des devoirs.
Dans le ferment, dans
l’atome, dans la poussière,
La vie énorme est
recherchée et apparaît.
Tout est capté dans
une infinité de rets
Que serre ou que
distend l’immortelle matière.
Héros, savant,
artiste, apôtre, aventurier,
Chacun troue à son
tour le mur noir des mystères
Et grâce à ces
labeurs groupés ou solitaires,
L’être nouveau se
sent l’univers tout entier.
Et c’est vous, vous
les villes,
Debout
De loin en loin,
là-bas, de l’un à l’autre bout
Des plaines et des
domaines,
Qui concentrez en
vous assez d’humanité,
Assez de force rouge
et de neuve clarté,
Pour enflammer de
fièvre et de rage fécondes
Les cervelles
patientes ou violentes
De ceux
Qui découvrent la
règle et résument en eux
Le monde.
L’esprit de la
campagne était l’esprit de Dieu;
Il eut la peur de la recherche
et des révoltes,
Il chut; et le voici
qui meurt, sous les essieux
Et sous les chars en
feu des nouvelles récoltes.
La ruine s’installe
et souffle aux quatre coins
D’où s’acharnent les
vents, sur la plaine finie,
Tandis que la cité
lui soutire de loin
Ce qui lui reste
encor d’ardeur dans l’agonie.
L’usine rouge éclate
où seuls brillaient les champs;
La fumée à flots
noirs rase les toits d’église;
L’esprit de l’homme
avance et le soleil couchant
N’est plus l’hostie
en or divin qui fertilise.
Renaîtront-ils, les
champs, un jour, exorcisés
De leurs erreurs, de
leurs affres, de leur folie;
Jardins pour les
efforts et les labeurs lassés,
Coupes de clarté
vierge et de santé remplies?
Referont-ils, avec l’ancien
et bon soleil,
Avec le vent, la
pluie et les bêtes serviles,
En des heures de
sursaut libre et de réveil,
Un monde enfin sauvé
de l’emprise des villes?
Ou bien
deviendront-ils les derniers paradis
Purgés des dieux et
affranchis de leurs présages,
Où s’en viendront
rêver, à l’aube et aux midis,
Avant de s’endormir
dans les soirs clairs, les sages?
En attendant, la vie
ample se satisfait
D’être une joie
humaine, effrénée et féconde;
Les droits et les
devoirs? Rêves divers que fait,
Devant chaque espoir
neuf, la jeunesse du monde!
Caminho para o futuro
(Salome Makharashvili:
pintora georgiana)
Rumo ao Futuro
Ó raça humana a um destino
áureo consagrada,
Sentiste acaso a que
trabalho formidável,
Subitamente, após cem
anos,
Tua força imensa é
convocada?
A obstinação em buscar,
saber sempre mais.
Perscruta renovada a
selva ampla dos seres,
E malgrado os
espinhos que o passo lhe impedem
Conquista o homem por
lei direitos e deveres.
E no fermento, na
poeira, no átomo,
A vida imensa é
pesquisada e se revela.
Tudo é captado numa
imensidão de redes
Que estreita ou que
distende a matéria imortal.
O herói, o artista, o
sábio, o aventureiro, o apóstolo,
Cada um quebra a seu
turno o muro do mistério.
E graças ao esforço
isolado ou conjunto,
O novo ser se sente o
universo integral.
E sois vós, as
cidades,
De pé
De longe em longe, e
além, de um a outro extremo
Dos campos e
propriedades,
Que concentrais em
vós muito de humanidade,
Muito de força rubra
e nova claridade,
Para inflamar de
febre e de raiva fecundas
Os cérebros pacientes
ou violentos
Daqueles
Que descobrem a regra
e em si resumem
O mundo.
O espírito dos campos
era o espírito de Deus;
E tinha o medo da
procura e das revoltas;
Caiu; e vai morrer
agora sob os eixos
E sob os carros
ígneos das novas colheitas.
A ruína se instala e
sopra aos quatro cantos
De onde os ventos se
excitam, sobre o campo extinto,
Ao tempo em que a
cidade lhe rouba de longe
O que lhe resta ainda
de ardor na agonia.
A rubra usina explode
onde brilhava o campo;
O fumo negro roça os
tetos das igrejas;
A mente humana avança
e o rubro sol poente
Não é mais a hóstia
de ouro a fecundar a terra.
Renascerão, um dia,
os campos enfim salvos
De tanto horror, de
tantos erros, da loucura;
Jardins para o
esforço e o ímpeto cansados,
Taças de claridade e
de saúde cheias?
Renovarão, com o
mesmo sol antigo e bom,
E mais o vento, e a
chuva, e os animais servis,
Em horas livres de
temor e sobressaltos,
Um mundo salvo enfim
do domínio das urbes?
Ou vão se transformar
nos edens derradeiros,
Livres dos deuses e
livres de seus presságios,
Onde virão sonhar, na
aurora e em meio ao dia.
Antes de adormecer na
noite clara, os sábios?
E enquanto espera, a
vida imensa se compraz
Em ser ventura
humana, irrefreada e fecunda;
O direito e o dever?
Sonhos bons que refazem,
A cada anseio novo,
os jovens deste mundo!
Referência:
VERHAEREN, Émile. Vers
le futur / Rumo ao futuro. Tradução de José Jeronymo Rivera. In: __________. Cidades
tentaculares. Edição bilíngue: francês x português. Tradução e apresentação
de José Jeronymo Rivera. Brasília, DF: Thesaurus, 1999. Em francês: p. 138, 140
e 141; em português: p. 139, 141 e 142.
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