Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Émile Verhaeren - Rumo ao Futuro

Robustamente visionárias, estas estâncias do poeta belga evocam as grandes cidades e o poder que têm de a tudo conspurcar, arrastando levas de trabalhadores dos campos para as grandes urbes, recém-imersas na voragem da revolução industrial, como se tentaculares seres fossem a promover o “desencantamento do mundo”.

 

O poeta fala no mister de se pesquisar a “vida imensa” que há “no fermento, na poeira, no átomo”, para que o “novo ser” se torne uma espécie de síntese integral do universo. Nesse sentido, alude aos labores, “isolados ou conjuntos”, dos “heróis”, dos “artistas”, dos “sábios”, dos “aventureiros”, dos “apóstolos”, os quais, contra ventos e marés, viabilizariam aos “campos” – metáfora de um mundo cediço – tornarem-se o sítio onde se daria a regeneração da humanidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Émile Verhaeren

(1855-1916)

 

Vers le Futur

 

O race humaine aux destins d’or vouée,

As-tu senti de quel travail formidable et battant,

Soudainement, depuis cent ans,

Ta force immense est secouée?

 

L’acharnement à mieux chercher, à mieux savoir,

Fouille comme à nouveau l’ample forêt des êtres,

Et malgré la broussaille où tel pas s’enchevêtre

L’homme conquiert sa loi des droits et des devoirs.

 

Dans le ferment, dans l’atome, dans la poussière,

La vie énorme est recherchée et apparaît.

Tout est capté dans une infinité de rets

Que serre ou que distend l’immortelle matière.

 

Héros, savant, artiste, apôtre, aventurier,

Chacun troue à son tour le mur noir des mystères

Et grâce à ces labeurs groupés ou solitaires,

L’être nouveau se sent l’univers tout entier.

 

Et c’est vous, vous les villes,

Debout

De loin en loin, là-bas, de l’un à l’autre bout

Des plaines et des domaines,

Qui concentrez en vous assez d’humanité,

Assez de force rouge et de neuve clarté,

Pour enflammer de fièvre et de rage fécondes

Les cervelles patientes ou violentes

De ceux

Qui découvrent la règle et résument en eux

Le monde.

 

L’esprit de la campagne était l’esprit de Dieu;

Il eut la peur de la recherche et des révoltes,

Il chut; et le voici qui meurt, sous les essieux

Et sous les chars en feu des nouvelles récoltes.

 

La ruine s’installe et souffle aux quatre coins

D’où s’acharnent les vents, sur la plaine finie,

Tandis que la cité lui soutire de loin

Ce qui lui reste encor d’ardeur dans l’agonie.

 

L’usine rouge éclate où seuls brillaient les champs;

La fumée à flots noirs rase les toits d’église;

L’esprit de l’homme avance et le soleil couchant

N’est plus l’hostie en or divin qui fertilise.

 

Renaîtront-ils, les champs, un jour, exorcisés

De leurs erreurs, de leurs affres, de leur folie;

Jardins pour les efforts et les labeurs lassés,

Coupes de clarté vierge et de santé remplies?

 

Referont-ils, avec l’ancien et bon soleil,

Avec le vent, la pluie et les bêtes serviles,

En des heures de sursaut libre et de réveil,

Un monde enfin sauvé de l’emprise des villes?

 

Ou bien deviendront-ils les derniers paradis

Purgés des dieux et affranchis de leurs présages,

Où s’en viendront rêver, à l’aube et aux midis,

Avant de s’endormir dans les soirs clairs, les sages?

 

En attendant, la vie ample se satisfait

D’être une joie humaine, effrénée et féconde;

Les droits et les devoirs? Rêves divers que fait,

Devant chaque espoir neuf, la jeunesse du monde!

 

Caminho para o futuro

(Salome Makharashvili: pintora georgiana)

 

Rumo ao Futuro

 

Ó raça humana a um destino áureo consagrada,

Sentiste acaso a que trabalho formidável,

Subitamente, após cem anos,

Tua força imensa é convocada?

 

A obstinação em buscar, saber sempre mais.

Perscruta renovada a selva ampla dos seres,

E malgrado os espinhos que o passo lhe impedem

Conquista o homem por lei direitos e deveres.

 

E no fermento, na poeira, no átomo,

A vida imensa é pesquisada e se revela.

Tudo é captado numa imensidão de redes

Que estreita ou que distende a matéria imortal.

 

O herói, o artista, o sábio, o aventureiro, o apóstolo,

Cada um quebra a seu turno o muro do mistério.

E graças ao esforço isolado ou conjunto,

O novo ser se sente o universo integral.

 

E sois vós, as cidades,

De pé

De longe em longe, e além, de um a outro extremo

Dos campos e propriedades,

Que concentrais em vós muito de humanidade,

Muito de força rubra e nova claridade,

Para inflamar de febre e de raiva fecundas

Os cérebros pacientes ou violentos

Daqueles

Que descobrem a regra e em si resumem

O mundo.

 

O espírito dos campos era o espírito de Deus;

E tinha o medo da procura e das revoltas;

Caiu; e vai morrer agora sob os eixos

E sob os carros ígneos das novas colheitas.

 

A ruína se instala e sopra aos quatro cantos

De onde os ventos se excitam, sobre o campo extinto,

Ao tempo em que a cidade lhe rouba de longe

O que lhe resta ainda de ardor na agonia.

 

A rubra usina explode onde brilhava o campo;

O fumo negro roça os tetos das igrejas;

A mente humana avança e o rubro sol poente

Não é mais a hóstia de ouro a fecundar a terra.

 

Renascerão, um dia, os campos enfim salvos

De tanto horror, de tantos erros, da loucura;

Jardins para o esforço e o ímpeto cansados,

Taças de claridade e de saúde cheias?

 

Renovarão, com o mesmo sol antigo e bom,

E mais o vento, e a chuva, e os animais servis,

Em horas livres de temor e sobressaltos,

Um mundo salvo enfim do domínio das urbes?

 

Ou vão se transformar nos edens derradeiros,

Livres dos deuses e livres de seus presságios,

Onde virão sonhar, na aurora e em meio ao dia.

Antes de adormecer na noite clara, os sábios?

 

E enquanto espera, a vida imensa se compraz

Em ser ventura humana, irrefreada e fecunda;

O direito e o dever? Sonhos bons que refazem,

A cada anseio novo, os jovens deste mundo!

 

Referência:

 

VERHAEREN, Émile. Vers le futur / Rumo ao futuro. Tradução de José Jeronymo Rivera. In: __________. Cidades tentaculares. Edição bilíngue: francês x português. Tradução e apresentação de José Jeronymo Rivera. Brasília, DF: Thesaurus, 1999. Em francês: p. 138, 140 e 141; em português: p. 139, 141 e 142.

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