A dúvida sobre a real
existência de Deus assola Unamuno, a ponto de se considerar um ateu, muito
embora não se ponha a veicular tão explicitamente o juízo de que não crê na
existência do Criador: nele, como em muitos outros pensadores, revolve o conflito
entre a fé e a razão, entre um Deus criação da mente humana – nada mais que uma
“Ideia” –, e um Deus de fato, autor de toda a obra que nos rodeia.
O soneto inteiro é
uma aporia só, uma vez que o falante não vislumbra possibilidades de obtenção
de resposta conclusiva para a sua dúvida, o que acaba por reforçar o seu ceticismo,
suscitando um estado de desconfiança em relação à sua própria existência: “se
Tu existisses, eu também existiria de verdade”.
J.A.R. – H.C.
Miguel de Unamuno
(1864-1936)
La oración del ateo
Oye mi ruego Tú, Dios
que no existes,
y en tu nada recoge
estas mis quejas,
Tú que a los pobres
hombres nunca dejas
sin consuelo de
engaño. No resistes
a nuestro ruego y
nuestro anhelo vistes.
Cuando Tú de mi mente
más te alejas,
más recuerdo las
plácidas consejas
con que mi ama
endulzóme noches tristes.
¡Qué grande eres, mi
Dios! Eres tan grande
que no eres sino
Idea; es muy angosta
la realidad por mucho
que se expande
para abarcarte. Sufro
yo a tu costa,
Dios no existente,
pues si Tú existieras
existiría yo también
de veras.
A crucificação
Desenho inspirado no
retábulo de Isenheim
(Pablo Picasso:
pintor espanhol)
A oração do ateu
Ouve meu rogo, Deus
que não existes,
e em teu nada
recolhe-me estas queixas,
ó Tu que aos pobres
homens nunca deixas
sem consolo de
engano. Não resistes
a nosso rogo e o
nosso anseio insistes
em vestir. Quanto
mais longe te deixas
de minha mente, mais
lembro as endechas
com que a ama me
adoçou as noites tristes.
Como és grande, meu Deus!
Pois és tão grande
que não és mais que
Ideia; é muito estreito
o real pelo tanto que
se expande
para abarcar-te.
Sofro a teu despeito,
Deus não existente,
pois se Tu houveras
existiria eu também à
vera.
Referência:
UNAMUNO, Miguel de. La
oración del ateo / A oração do ateu. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In:
VARGAS, Fábio Aristimunho (Organização e tradução). Poesia espanhola: das
origens à guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em espanhol e em português:
p. 95. (Coleção ‘Poesias de Espanha: das origens à guerra civil’)
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