Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Miguel de Unamuno - A oração do ateu

A dúvida sobre a real existência de Deus assola Unamuno, a ponto de se considerar um ateu, muito embora não se ponha a veicular tão explicitamente o juízo de que não crê na existência do Criador: nele, como em muitos outros pensadores, revolve o conflito entre a fé e a razão, entre um Deus criação da mente humana – nada mais que uma “Ideia” –, e um Deus de fato, autor de toda a obra que nos rodeia.

 

O soneto inteiro é uma aporia só, uma vez que o falante não vislumbra possibilidades de obtenção de resposta conclusiva para a sua dúvida, o que acaba por reforçar o seu ceticismo, suscitando um estado de desconfiança em relação à sua própria existência: “se Tu existisses, eu também existiria de verdade”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Miguel de Unamuno

(1864-1936)

 

La oración del ateo

 

Oye mi ruego Tú, Dios que no existes,

y en tu nada recoge estas mis quejas,

Tú que a los pobres hombres nunca dejas

sin consuelo de engaño. No resistes

 

a nuestro ruego y nuestro anhelo vistes.

Cuando Tú de mi mente más te alejas,

más recuerdo las plácidas consejas

con que mi ama endulzóme noches tristes.

 

¡Qué grande eres, mi Dios! Eres tan grande

que no eres sino Idea; es muy angosta

la realidad por mucho que se expande

 

para abarcarte. Sufro yo a tu costa,

Dios no existente, pues si Tú existieras

existiría yo también de veras.

 

A crucificação

Desenho inspirado no retábulo de Isenheim

(Pablo Picasso: pintor espanhol)

 

A oração do ateu

 

Ouve meu rogo, Deus que não existes,

e em teu nada recolhe-me estas queixas,

ó Tu que aos pobres homens nunca deixas

sem consolo de engano. Não resistes

 

a nosso rogo e o nosso anseio insistes

em vestir. Quanto mais longe te deixas

de minha mente, mais lembro as endechas

com que a ama me adoçou as noites tristes.

 

Como és grande, meu Deus! Pois és tão grande

que não és mais que Ideia; é muito estreito

o real pelo tanto que se expande

 

para abarcar-te. Sofro a teu despeito,

Deus não existente, pois se Tu houveras

existiria eu também à vera.

 

Referência:

 

UNAMUNO, Miguel de. La oración del ateo / A oração do ateu. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In: VARGAS, Fábio Aristimunho (Organização e tradução). Poesia espanhola: das origens à guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em espanhol e em português: p. 95. (Coleção ‘Poesias de Espanha: das origens à guerra civil’)

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