Em notória conexão
com o soneto “Tormento do Ideal”, do poeta lusitano
Antero de Quental (1842-1891) – de onde transcreve parte do primeiro verso –, o
autor paulista contrapõe a sua própria visão de uma beleza fugaz, passadiça,
presa a determinado instante, consentânea com a solidão em que imerso e com a perspectiva
de iminente visita das Parcas.
Átimo de eternidade
sonhado por uma potestade, a beleza assenhoreada por Campos não se prende a uma
ideia algo platônica – como em Quental –, mas se lhe revela contingente em seu subjetivo
modo de transmutá-la aos versos, numa poesia “luminosa”, muito embora, por reciprocidade,
“frágil e perecível”.
J.A.R. – H.C.
Milton de G. Campos
(n. 1927)
Anti-Antero
Eu não amo
“a beleza que não
morre”
mas a frágil a
perecível
a que se revela aos
homens
apenas um momento
que é profundamente
triste
que a luz conhece
apenas um instante
em toda a eternidade
que um deus sonhou
e esqueceu de
perpetuar
em suas mãos vazias
que o tempo avassala
e o olvido retém
que ante o meu olhar
se esvai para sempre
e me deixa a sós
mas luminoso
com minha solidão
e minha morte.
Beleza Fugaz
(Emilia Milcheva: pintora
búlgara)
Referência:
CAMPOS, Milton de
Godoy. Anti-Antero. In: __________. Poemas e elegias. São Paulo, SP:
Clube de Poesia; Editora do Escritor, 1977. p. 13.
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