Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 15 de agosto de 2023

João Cabral de Melo Neto - O número quatro

Em sua costumeira toada formal, algo matematizante, o poeta esquadrinha algumas das muitas possibilidades que, presentes no mundo tangível, denotam submissão a um operador traduzido pelo número quatro, como a figura geométrica do quadrado, os animais quadrúpedes, o número de pés de uma mesa (e por que não, ainda que omitidos, os quatro pontos cardeais?!).

 

Poder-se-ia argumentar que uma mesa de três pés se sustenta mais estavelmente que uma de quatro, em especial se o piso for irregular; mas o falante atribui primazia aos adjetivos “imóvel” e “inabalável”, v.g., à sua secretária – intrêmula frente a ventos, terremotos, marés ou ressacas.

 

E para manter a associação ao número quatro, mesmo uma roda – “criatura do tempo” – seria, a seu ver, “uma coisa em quatro, desgastada”, decerto por tanto rolar: abstraindo a possível relação que o poeta enceta entre a roda e o número de letras que compõe tal palavra, por que não se poderia partir de uma figura pentagonal ou heptagonal a derruir suas arestas, até se converter em uma delas?! Por que se deveria partir de um contorno quadrado?! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

João Cabral de Melo Neto

(1920-1999)

 

O número quatro

 

O número quatro feito coisa

ou a coisa pelo quatro quadrada,

seja espaço, quadrúpede, mesa,

está racional em suas patas;

está plantada, à margem e acima

de tudo o que tentar abalá-la,

imóvel ao vento, terremotos,

no mar maré ou no mar ressaca.

Só o tempo que ama o ímpar instável

pode contra essa coisa ao passá-la:

mas a roda, criatura do tempo,

é uma coisa em quatro, desgastada.

 

Uma alegoria para as quatro estações

(Walter Crane: pintor inglês)

 

Referência:

 

MELO NETO, João Cabral de. O número quatro. In: ANDRADE, Carlos Drummond; MELO NETO, João Cabral de; BANDEIRA, Manuel; MORAES, Vinicius de. O melhor da poesia brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2005. p. 84.

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