Em sua costumeira toada
formal, algo matematizante, o poeta esquadrinha algumas das muitas
possibilidades que, presentes no mundo tangível, denotam submissão a um operador
traduzido pelo número quatro, como a figura geométrica do quadrado, os animais
quadrúpedes, o número de pés de uma mesa (e por que não, ainda que omitidos, os
quatro pontos cardeais?!).
Poder-se-ia
argumentar que uma mesa de três pés se sustenta mais estavelmente que uma de
quatro, em especial se o piso for irregular; mas o falante atribui primazia aos
adjetivos “imóvel” e “inabalável”, v.g., à sua secretária – intrêmula frente a
ventos, terremotos, marés ou ressacas.
E para manter a
associação ao número quatro, mesmo uma roda – “criatura do tempo” – seria, a seu
ver, “uma coisa em quatro, desgastada”, decerto por tanto rolar: abstraindo a
possível relação que o poeta enceta entre a roda e o número de letras que compõe
tal palavra, por que não se poderia partir de uma figura pentagonal ou
heptagonal a derruir suas arestas, até se converter em uma delas?! Por que se
deveria partir de um contorno quadrado?! (rs)
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
O número quatro
O número quatro feito
coisa
ou a coisa pelo
quatro quadrada,
seja espaço,
quadrúpede, mesa,
está racional em suas
patas;
está plantada, à
margem e acima
de tudo o que tentar
abalá-la,
imóvel ao vento,
terremotos,
no mar maré ou no mar
ressaca.
Só o tempo que ama o
ímpar instável
pode contra essa
coisa ao passá-la:
mas a roda, criatura
do tempo,
é uma coisa em
quatro, desgastada.
Uma alegoria para as quatro
estações
(Walter Crane: pintor
inglês)
Referência:
MELO NETO, João
Cabral de. O número quatro. In: ANDRADE, Carlos Drummond; MELO NETO, João
Cabral de; BANDEIRA, Manuel; MORAES, Vinicius de. O melhor da poesia
brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2005. p. 84.
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