Lillo, bem antes de
Neruda – em “Ode a um albatroz viajante” –, já havia entoado
loas a uma das aves pernaltas de incidência, decerto, frequente no amplo
litoral do Chile, qual seja, o flamingo: quando em revoada aos bandos, a
espécie cromatiza os céus com aquele tom avermelhado, forjando um belo
contraste, em primeiro plano, com o céu de um “azul pálido”, ao fundo.
O poema se compõe de
onze quadras de versos eneassílabos não rimados, o que, de certa forma, denota
já certa propensão à modernidade literária. Em alguns versos, para manter a
métrica do original, empreendi alguns contornos na tradução, os quais, de
qualquer modo, não alteram o sentido das linhas em espanhol.
J.A.R. – H.C.
Samuel A. Lillo
(1870-1958)
El Flamenco
Es el rei de Ios lagos
azules
y Ios mares bravíos
del sur,
donde vaga entre
brumas y nieblas
bajo un cielo de
pálida luz,
Es su cuerpo gallardo
y esbelto,
su plumaje de raro
matiz,
dióle el alba sus
pálidas tintas
y la sangre su rojo
carmín.
Y su cuello de nácar
parece,
al surcar afanoso el
juncal,
una blanca serpiente
que corre
y las cañas agita al
pasar.
Es un corzo en lo
tímido e inquieto,
como rauda gacela,
veloz;
no ha dormido jamás
en la selva
donde el hombre sus
huellas dejó.
Cuando llega la banda
a la playa
y en la espuma
posándose va,
una lluvia de rosas
corona
las arenas del
piélago austral.
Y al bajar al lejano
horizonte
a dormir en las ondas
el sol,
se levanta la roja
bandada,
dando roncos
graznidos de adiós.
Poco a poco se
esparce en los aires
como un manto de
púrpura real,
y, al perderse allá lejos,
parece
una nube que flota en
el mar.
Cuando miro, ave regia,
en las playas
tu gallarda silueta
vagar,
yo recuerdo las razas
viriles
que poblaban mi
tierra natal.
Como tú, dominaban
las selvas,
entonando su canto
triunfal,
y sus bandos alegres
bajaban
desde el monte a la
orilla del mar.
Pero selvas y lagos
ahora
las escuchan cautivas
gemir,
solo tú todavía, como
ellas
no has doblado la
altiva cerviz.
Y al hollar con tus plantas
el suelo
donde duermen los
héroes en paz,
de las tumbas de
Arauco indomado
hoy pareces el viejo
guardián.
1899
Flamingo
(Elena Klyuchnikova:
pintora russa)
O Flamingo
Ele é o rei dos lagos
azuis
e dos mares selvagens
do sul,
onde vaga entre
brumas e névoas
sob um céu de pálido fulgor,
Seu corpo é gracioso
e esbelto,
suas plumas de raro
matiz,
deu-lhe a alba suas
pálidas tintas
e o sangue seu rúbeo
carmim.
E seu colo de nácar
parece,
ao sulcar afanoso o
juncal,
uma branca serpente
que corre
e os caniços agita ao
passar.
É um corço no tímido
e inquieto,
como lesta gazela,
veloz;
nenhuma vez dormitou
na selva
onde o homem suas
pistas deixou.
Quando chega a
revoada à praia
e sobre a espuma vai
pousando,
uma chuva de rosas
coroa
as areias do pélago
austral.
E ao se pôr o sol por
sobre as ondas
a dormir no distante
horizonte,
se levanta a rúbea
passarada,
dando roucos
grasnados de adeus.
Aos poucos se
dispersa nos ares
qual manto de um
púrpura real,
e, ao perder-se mais
além, parece
uma nuvem a pairar no
mar.
Quando vejo, ave régia,
nas praias
tua airosa silhueta
vagar,
recordo-me das raças
viris
que habitavam meu
torrão natal.
Como tu, dominavam as
selvas,
entoando seu canto
triunfal,
e seus bandos alegres
baixavam
da montanha às
fímbrias do mar.
Porém selvas e lagos
agora
as escutam cativas
gemer;
somente tu ainda,
como elas,
não dobraste a altiva
cerviz.
E ao percorrer com teus
pés o solo
onde dormem os heróis
em paz,
dos túmulos do
indomado Arauco (*)
hoje és tal como um
velho guardião.
1899
Nota:
(*). Arauco: Trata-se
de um município localizado em província homônima, mais ou menos na região centro-sul
do Chile, onde, séculos atrás, ocorreram renhidos e prolongados enfrentamentos
entre os habitantes locais e os conquistadores espanhóis.
Referência:
LILLO, Samuel A. El
flamenco. In: __________. Poesías. Santiago, CL: Imprenta Moderna, 1900.
p. 61-63.
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