Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 15 de julho de 2023

Samuel A. Lillo - O Flamingo

Lillo, bem antes de Neruda – em “Ode a um albatroz viajante” –, já havia entoado loas a uma das aves pernaltas de incidência, decerto, frequente no amplo litoral do Chile, qual seja, o flamingo: quando em revoada aos bandos, a espécie cromatiza os céus com aquele tom avermelhado, forjando um belo contraste, em primeiro plano, com o céu de um “azul pálido”, ao fundo.

 

O poema se compõe de onze quadras de versos eneassílabos não rimados, o que, de certa forma, denota já certa propensão à modernidade literária. Em alguns versos, para manter a métrica do original, empreendi alguns contornos na tradução, os quais, de qualquer modo, não alteram o sentido das linhas em espanhol.

 

J.A.R. – H.C.

 

Samuel A. Lillo

(1870-1958)

 

El Flamenco

 

Es el rei de Ios lagos azules

y Ios mares bravíos del sur,

donde vaga entre brumas y nieblas

bajo un cielo de pálida luz,

 

Es su cuerpo gallardo y esbelto,

su plumaje de raro matiz,

dióle el alba sus pálidas tintas

y la sangre su rojo carmín.

 

Y su cuello de nácar parece,

al surcar afanoso el juncal,

una blanca serpiente que corre

y las cañas agita al pasar.

 

Es un corzo en lo tímido e inquieto,

como rauda gacela, veloz;

no ha dormido jamás en la selva

donde el hombre sus huellas dejó.

 

Cuando llega la banda a la playa

y en la espuma posándose va,

una lluvia de rosas corona

las arenas del piélago austral.

 

Y al bajar al lejano horizonte

a dormir en las ondas el sol,

se levanta la roja bandada,

dando roncos graznidos de adiós.

 

Poco a poco se esparce en los aires

como un manto de púrpura real,

y, al perderse allá lejos, parece

una nube que flota en el mar.

 

Cuando miro, ave regia, en las playas

tu gallarda silueta vagar,

yo recuerdo las razas viriles

que poblaban mi tierra natal.

 

Como tú, dominaban las selvas,

entonando su canto triunfal,

y sus bandos alegres bajaban

desde el monte a la orilla del mar.

 

Pero selvas y lagos ahora

las escuchan cautivas gemir,

solo tú todavía, como ellas

no has doblado la altiva cerviz.

 

Y al hollar con tus plantas el suelo

donde duermen los héroes en paz,

de las tumbas de Arauco indomado

hoy pareces el viejo guardián.

 

1899

 

Flamingo

(Elena Klyuchnikova: pintora russa)

 

O Flamingo

 

Ele é o rei dos lagos azuis

e dos mares selvagens do sul,

onde vaga entre brumas e névoas

sob um céu de pálido fulgor,

 

Seu corpo é gracioso e esbelto,

suas plumas de raro matiz,

deu-lhe a alba suas pálidas tintas

e o sangue seu rúbeo carmim.

 

E seu colo de nácar parece,

ao sulcar afanoso o juncal,

uma branca serpente que corre

e os caniços agita ao passar.

 

É um corço no tímido e inquieto,

como lesta gazela, veloz;

nenhuma vez dormitou na selva

onde o homem suas pistas deixou.

 

Quando chega a revoada à praia

e sobre a espuma vai pousando,

uma chuva de rosas coroa

as areias do pélago austral.

 

E ao se pôr o sol por sobre as ondas

a dormir no distante horizonte,

se levanta a rúbea passarada,

dando roucos grasnados de adeus.

 

Aos poucos se dispersa nos ares

qual manto de um púrpura real,

e, ao perder-se mais além, parece

uma nuvem a pairar no mar.

 

Quando vejo, ave régia, nas praias

tua airosa silhueta vagar,

recordo-me das raças viris

que habitavam meu torrão natal.

 

Como tu, dominavam as selvas,

entoando seu canto triunfal,

e seus bandos alegres baixavam

da montanha às fímbrias do mar.

 

Porém selvas e lagos agora

as escutam cativas gemer;

somente tu ainda, como elas,

não dobraste a altiva cerviz.

 

E ao percorrer com teus pés o solo

onde dormem os heróis em paz,

dos túmulos do indomado Arauco (*)

hoje és tal como um velho guardião.

 

1899

 

Nota:

 

(*). Arauco: Trata-se de um município localizado em província homônima, mais ou menos na região centro-sul do Chile, onde, séculos atrás, ocorreram renhidos e prolongados enfrentamentos entre os habitantes locais e os conquistadores espanhóis.

 

Referência:

 

LILLO, Samuel A. El flamenco. In: __________. Poesías. Santiago, CL: Imprenta Moderna, 1900. p. 61-63.

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