Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de julho de 2023

Múcio Teixeira - Três Enigmas

Batizado, casamento e funeral – nessa ordem – são ritos religiosos no âmbito do cristianismo, correspondendo aos intitulados “três enigmas” a que se reporta o escritor gaúcho: risos e choros se lhes associam, mas não em primeira mão em relação ao morto, de quem somente desponta uma “aparente calma”.

 

“Pranto inútil! Sorriso miserando!”, diz a voz lírica, perguntando-se qual deles é o menos desgraçado: quanto ao pranto, à luz do poema, relaciona-se quer ao choro da criança – de presumível alegria –, quer ao pesar dos conjecturáveis familiares do morto – decerto de tristeza –; o riso, aos noivos.

 

Na linha temporal de um ciclo de vida, do recém-nascido ao morto, o poeta parece estar à procura não da melhor conjuntura, senão da menos pior, estando já na maturidade e tudo julgando com um certo ceticismo. Se duvidar, penso que ele poderia estar achando que o morto se encontra em melhor condição.

 

J.A.R. – H.C.

 

Múcio Teixeira

(1857-1926)

 

Três Enigmas

 

Na mesma igreja entravam nesse instante

O enterro, o casamento e o batizado;

Riam os noivos, soluçava o infante,

E o morto – duro, inerte, enregelado.

 

Chorava a pequenina criatura,

Ao receber a graça do batismo;

E sorriam os noivos na loucura

De quem dança nas bordas dum abismo!...

 

Só não chorava nem sorria o morto:

Os mortos têm essa aparente calma

Dos velhos nautas, que ao entrar num porto

Nada revelam do que sentem n’alma.

 

E eu disse então comigo, contemplando

O pranto, o riso, e esse caixão fechado:

Pranto inútil! sorriso miserando!

Qual é deles o menos desgraçado?

 

O Batismo

(Pietro Longhi: pintor italiano)

 

Referência:

 

TEIXEIRA, Álvaro de Múcio. Três enigmas. In: __________. Poesias: tomo II. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1903. p. 220-221.

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