Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Thomas Merton - Ode ao Presente Século

Merton se dirige ao século XX como se o fizesse a alguém que compendiasse os acontecimentos históricos ocorridos na primeira metade da referida centúria, vale dizer, os horrores das duas conflagrações mundiais, as quais jogaram por terra os valores de uma civilização pretensamente ciosa de suas conquistas.

 

Os atentados à razão, à logica e à verdade, os apetites de toda ordem – cobiça, pilhagem, ambições, sensualidade –, o espírito beligerante, e, ao final dos embates, um homem combalido física e moralmente: diante desse lúgubre cenário, Merton propõe ao homem – então fortuitamente remanescente – um mergulho até os estágios mais profundos da existência, para que, de lá retornando sem o pálio da prepotência, se mostre capaz de construir um mundo em harmonia com os divinos propósitos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

Ode to the Present Century

 

What heartbeats, lisping like a lizard in a broken cistern,

Tell you, my prudent citizen, that you are nearly dead?

We heard your pains revolving on the axis of a shout:

The cops and doctors view the winter of your

knifelong blood.

 

They chart the reeling of your clockwise reason

Flying in spirals to escape philosophy,

While life’s ecliptic, drives you like an arrow

To the pit of pain.

And one by one your wars break up the arctic

Of your faultless logic,

And wills retreat upon themselves until the final seizure:

Your frozen understanding separates

And dies in floes.

 

Oh how you plot the crowflight of that cunning thief,

your appetite,

But never see what fortunes

Turn to poison in your blood.

How have you hammered all your senses into curses,

Forever twisting in your memory

The nails of sensuality and death.

Have we not seen you stand, full-armed,

And miss the heavens with the aimless rifles of your fear?

When are you going to unclench

The whited nerve of your rapacity, you cannibal:

Or draw one breath in truth and faith,

You son of Cain?

 

But if you are in love with fortunes, or with forgery,

Oh, learn to mint you golden courage

With the image of all Mercy’s Sovereign,

Turn all your hunger to humility and to forgiveness,

Forsake your deserts of centrifugal desire:

Then ride in peaceful circles to the depths of life,

And hide you from your burning noon-day devil

Where clean rock-water dropwise spends, and dies in rings.

 

In: “A Man in the Divided Sea” (1946)

 

Roda d’água do moinho

(David Lloyd Glover: artista canadense)

 

Ode ao Presente Século

 

O que os batimentos cardíacos, ceceando como um lagarto

numa cisterna avariada,

te dizem, meu prudente cidadão, que estás quase morto?

Ouvimos as tuas dores a dar voltas no eixo de um grito:

Os polícias e os médicos vislumbram o inverno com o teu

sangue no gume de uma lâmina.

 

Traçam eles o titubeio de tua razão no sentido horário,

Voando em espirais para escapar à filosofia,

Enquanto a eclíptica da vida te conduz como uma flecha

Ao abismo da dor.

E uma a uma de tuas guerras rompem o ártico

De tua impecável lógica,

E as vontades recuam sobre si mesmas até a rendição final:

Tua fria compreensão se fragmenta

E se desfaz como placas de gelo flutuantes.

 

Oh, como tramas o voo de corvo daquele astuto ladrão

– o teu apetite –,

Mas nunca vês quais fortunas

Se convertem em veneno em teu sangue.

Como tens maleado todos os teus sentidos em maldições,

Torcendo para sempre em tua memória

Os cravos da sensualidade e da morte.

Será que não te vimos de pé, armado até os dentes,

A errar o alvo nos céus com os rifles sem pontaria

do teu medo?

Quando haverás de desatar

O nervo esbranquiçado da tua rapacidade, seu canibal:

Ou inspirar um sopro de verdade e de fé,

Seu filho de Caim?

 

Mas se és enamorado da fortuna, ou da falsificação,

Aprende a cunhar tua dourada coragem

Com a imagem do todo Soberano da Misericórdia,

Converte toda a tua fome em humildade e perdão,

Abandona teus desertos de centrífugos desejos:

Então cavalga em círculos pacíficos até as profundezas

da vida,

E te esconde do teu ardente demônio do meio-dia,

Onde a água limpa da rocha se desprende em gotas

e descai em anéis.

 

Em: “Um Homem no Mar Dividido” (1946)

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. Ode to the present century. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 6th print. New York, NY: New Directions, 1980. p. 121-122.

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