Merton se dirige ao
século XX como se o fizesse a alguém que compendiasse os acontecimentos
históricos ocorridos na primeira metade da referida centúria, vale dizer, os horrores
das duas conflagrações mundiais, as quais jogaram por terra os valores de uma
civilização pretensamente ciosa de suas conquistas.
Os atentados à razão,
à logica e à verdade, os apetites de toda ordem – cobiça, pilhagem, ambições,
sensualidade –, o espírito beligerante, e, ao final dos embates, um homem
combalido física e moralmente: diante desse lúgubre cenário, Merton propõe ao
homem – então fortuitamente remanescente – um mergulho até os estágios mais
profundos da existência, para que, de lá retornando sem o pálio da prepotência,
se mostre capaz de construir um mundo em harmonia com os divinos propósitos.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
Ode to the Present
Century
What heartbeats,
lisping like a lizard in a broken cistern,
Tell you, my prudent
citizen, that you are nearly dead?
We heard your pains
revolving on the axis of a shout:
The cops and doctors
view the winter of your
knifelong blood.
They chart the
reeling of your clockwise reason
Flying in spirals to
escape philosophy,
While life’s
ecliptic, drives you like an arrow
To the pit of pain.
And one by one your
wars break up the arctic
Of your faultless
logic,
And wills retreat
upon themselves until the final seizure:
Your frozen
understanding separates
And dies in floes.
Oh how you plot the
crowflight of that cunning thief,
your appetite,
But never see what
fortunes
Turn to poison in
your blood.
How have you hammered
all your senses into curses,
Forever twisting in
your memory
The nails of
sensuality and death.
Have we not seen you
stand, full-armed,
And miss the heavens
with the aimless rifles of your fear?
When are you going to
unclench
The whited nerve of
your rapacity, you cannibal:
Or draw one breath in
truth and faith,
You son of Cain?
But if you are in
love with fortunes, or with forgery,
Oh, learn to mint you
golden courage
With the image of all
Mercy’s Sovereign,
Turn all your hunger
to humility and to forgiveness,
Forsake your deserts
of centrifugal desire:
Then ride in peaceful
circles to the depths of life,
And hide you from
your burning noon-day devil
Where clean
rock-water dropwise spends, and dies in rings.
In: “A Man in the
Divided Sea” (1946)
Roda d’água do moinho
(David Lloyd Glover: artista
canadense)
Ode ao Presente Século
O que os batimentos
cardíacos, ceceando como um lagarto
numa cisterna
avariada,
te dizem, meu
prudente cidadão, que estás quase morto?
Ouvimos as tuas dores
a dar voltas no eixo de um grito:
Os polícias e os
médicos vislumbram o inverno com o teu
sangue no gume de uma
lâmina.
Traçam eles o titubeio
de tua razão no sentido horário,
Voando em espirais
para escapar à filosofia,
Enquanto a eclíptica
da vida te conduz como uma flecha
Ao abismo da dor.
E uma a uma de tuas
guerras rompem o ártico
De tua impecável
lógica,
E as vontades recuam
sobre si mesmas até a rendição final:
Tua fria compreensão
se fragmenta
E se desfaz como
placas de gelo flutuantes.
Oh, como tramas o voo
de corvo daquele astuto ladrão
– o teu apetite –,
Mas nunca vês quais
fortunas
Se convertem em
veneno em teu sangue.
Como tens maleado
todos os teus sentidos em maldições,
Torcendo para sempre
em tua memória
Os cravos da
sensualidade e da morte.
Será que não te vimos
de pé, armado até os dentes,
A errar o alvo nos
céus com os rifles sem pontaria
do teu medo?
Quando haverás de desatar
O nervo esbranquiçado
da tua rapacidade, seu canibal:
Ou inspirar um sopro
de verdade e de fé,
Seu filho de Caim?
Mas se és enamorado
da fortuna, ou da falsificação,
Aprende a cunhar tua dourada
coragem
Com a imagem do todo
Soberano da Misericórdia,
Converte toda a tua
fome em humildade e perdão,
Abandona teus desertos
de centrífugos desejos:
Então cavalga em
círculos pacíficos até as profundezas
da vida,
E te esconde do teu
ardente demônio do meio-dia,
Onde a água limpa da rocha
se desprende em gotas
e descai em anéis.
Em: “Um Homem no Mar
Dividido” (1946)
Referência:
MERTON, Thomas. Ode
to the present century. In: __________. The collected poems of Thomas Merton.
6th print. New York, NY: New Directions, 1980. p. 121-122.
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