Como muitos dos
artistas da palavra, antes que abraçassem a “causa” do Modernismo, Mário de
Andrade redigiu esparsos, mas belos sonetos, como o ilustra o infratranscrito
poema em estrofes isométricas de longos versos alexandrinos, tão em voga à
época de seu debute no espaço literário pátrio.
A elocução do ente lírico ressoa a ideia de maldição, presente no Gênesis
4:11, depois de Caim ter matado o seu irmão Abel, maldição essa, contudo,
extensível aqui ao casal expulso do Éden, mesmo ao sol, à lua e à brisa.
Semelhante tropo de maldição, na obra de Andrade, pode ser encontrado em “Caim,
Caim e os outros”, inserto em “Os Contos de Belazarte”, os quais foram publicados
originalmente na revista “América Brasileira”, entre 1923 e 1924.
J.A.R. – H.C.
Mário de Andrade
(1893-1945)
Caim
Maldito sejas tu,
homem, que ao corpo espelhas
Odiento e vil um
outro eu mesmo! Sê maldita,
Mulher, em cujo
olhar, de límpidas centelhas,
Não olho sem que nele
o meu rosto reflita!
E tu, sol, que a
incitar as malditas parelhas
Do plaustro, vens
trazer para a dor infinita
Do meu remorso, os
dias áureos e as vermelhas
Tardes que entram a
rir na minha alma precita!
Maldita a brisa que
descobre e que reconta!
E o lago que oferece
a vidraça ampla e nua!
E o galho que
indigita! E o rochedo que aponta!
Venha a noite! Oh!
maldita a noite negra, cheia
Da treva que me
insula e despe! Venha a lua!
Maldita a lua que me
esboça sobre a areia!
Caim e Abel
(Giovanni D. Ferretti:
pintor italiano)
Referência:
ANDRADE, Mário de. Caim. In: __________. Poesias completas: vol. 2. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2013. p. 89.
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