Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Mário de Andrade - Caim

Como muitos dos artistas da palavra, antes que abraçassem a “causa” do Modernismo, Mário de Andrade redigiu esparsos, mas belos sonetos, como o ilustra o infratranscrito poema em estrofes isométricas de longos versos alexandrinos, tão em voga à época de seu debute no espaço literário pátrio.

 

A elocução do ente lírico ressoa a ideia de maldição, presente no Gênesis 4:11, depois de Caim ter matado o seu irmão Abel, maldição essa, contudo, extensível aqui ao casal expulso do Éden, mesmo ao sol, à lua e à brisa. Semelhante tropo de maldição, na obra de Andrade, pode ser encontrado em “Caim, Caim e os outros”, inserto em “Os Contos de Belazarte”, os quais foram publicados originalmente na revista “América Brasileira”, entre 1923 e 1924.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mário de Andrade

(1893-1945)

 

Caim

 

Maldito sejas tu, homem, que ao corpo espelhas

Odiento e vil um outro eu mesmo! Sê maldita,

Mulher, em cujo olhar, de límpidas centelhas,

Não olho sem que nele o meu rosto reflita!

 

E tu, sol, que a incitar as malditas parelhas

Do plaustro, vens trazer para a dor infinita

Do meu remorso, os dias áureos e as vermelhas

Tardes que entram a rir na minha alma precita!

 

Maldita a brisa que descobre e que reconta!

E o lago que oferece a vidraça ampla e nua!

E o galho que indigita! E o rochedo que aponta!

 

Venha a noite! Oh! maldita a noite negra, cheia

Da treva que me insula e despe! Venha a lua!

Maldita a lua que me esboça sobre a areia!

 

Caim e Abel

(Giovanni D. Ferretti: pintor italiano)

 

Referência:

 

ANDRADE, Mário de. Caim. In: __________. Poesias completas: vol. 2. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2013. p. 89.

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