Neste longo poema de
Graham há menções, salvo engano, às pinturas “Buchenwald”, finalizada em 1902,
e “A Noiva”, inacabada, embora datada de 1918 (v. reproduções a seguir): em
ambas, uma mirada superficial deixaria de contemplar algo mais profundo, eivado
de repercussões morais – claro está, à luz das perspectivas deontológicas da
falante, supervenientemente, portanto, ao momento em que as obras de arte
vieram a lume.
Em relação à tela
“Buchenwald”, quase se pode deduzir a presumível antinomia entre o estado
antecedente de radiosa placidez do bosque de faias e o que, mais tarde, veio a
suceder naquelas paragens, com a instalação de um campo de concentração
nazista. No que concerne à pintura “A Noiva”, o erótico, mesclado ao obsceno e
ao pornográfico, converge a um sítio que se pretende de juízo suspenso, de
irônica neutralidade.
Ante o exposto,
infere-se que uma leitura possível do poema talvez seja a de que uma obra de
arte tem o poder de extrapolar as circunstâncias do momento em que foram
produzidas, na medida em que, no avançar do tempo, restam apenas os olhares
contemplativos dos que a admiram em dado momento histórico, atribuindo-lhe
sentidos quiçá bastante diversos daqueles cogitados inicialmente pelo artista.
J.A.R. – H.C.
(n. 1950)
Two Paintings by Gustav Klimt
Although what
glitters
on the trees,
row after perfect
row,
is merely
the injustice
of the world,
the chips on the bark
of each
beech tree
catching the light,
the sum
of these delays
is the beautiful, the
human
beautiful,
body of flaws.
The dead
would give anything,
I’m sure,
to step again onto
the leafrot,
into the avenue of
mottled shadows,
the speckled
broken skins. The
dead
in their sheer
open parenthesis,
what they
wouldn’t give
for something to lean
on
that won’t
give way. I think I
would weep
for the moral nature
of this world,
for right and wrong
like pools
of shadow
and light you can
step in
and out of
crossing this yellow
beech forest,
this buchen-wald,
one autumn afternoon,
late
in the twentieth
century, in hollow
light,
in gaseous light...
To receive the light
and return it
and stand in rows,
anonymous,
is a sweet secret
even the air wishes
it could unlock.
See how it pokes at them
in little hooks,
the blue air, the
yellow trees.
Why be afraid?
They say when Klimt
died suddenly
a painting, still
incomplete,
was found in his
studio,
a woman’s body
open at its point of
entry,
rendered in graphic,
pornographic,
detail – something
like
a scream
between her legs.
Slowly,
feathery,
he had begun to paint
a delicate
garment (his
trademark)
over this mouth
of her body. The
mouth
of her face
is genteel, bored,
feigning a need
for sleep. The fabric
defines the surface,
the story,
so we are drawn to
it,
its blues
and yellows
glittering
like a stand
of beech trees late
one afternoon
in Germany, in fall.
It is called
Buchenwald, it is
1890. In
the finished painting
the argument
has something to do
with pleasure.
In: “Erosion” (1983)
Buchenwald (1902)
(Gustav Klimt: pintor
austríaco)
Duas Pinturas de
Gustav Klimt
Ainda que o que
reluza
nas árvores,
renque após perfeito
renque,
não seja mais que
a injustiça
do mundo,
as lascas na casca de
cada
faia
captando a luz, a
soma
de tais retardos
o belo traduz, o belo
humano,
corpo de
imperfeições.
Os mortos
dariam qualquer
coisa,
tenho a certeza,
para voltar a andar
sobre folhas
putrefatas,
na avenida de matizadas
sombras,
em camadas rotas
e salpicadas. Os
mortos,
com seus parênteses
aprumados
e abertos, o que
não dariam
por algo em que se
apoiar
e que não viesse
a ceder. Penso que eu
prantearia
a natureza moral
deste mundo,
diante do certo e do errado,
como charcos
de sombra
e de luz em que se
pode entrar
e sair
ao cruzar este bosque
de faias amarelas,
este buchen-wald,
(*)
numa tarde de outono,
ao final
do século
vinte, sob uma luz
oca,
uma luz gasosa...
Receber a luz
e restituí-la,
mantendo-se em
renques, no anonimato,
é um doce segredo
que até o ar desejaria
poder desvelar.
Vejam como ela os espicaça
em pequenos ganchos,
o ar azul, as árvores
amarelas.
Por que ter medo?
Dizem que, quando
Klimt
faleceu subitamente,
uma pintura, ainda
incompleta,
foi encontrada em seu
estúdio,
o corpo de uma mulher
aberto em seu ponto
de
entrada,
renderizado em
detalhes gráficos,
pornográficos
– algo assim como
um grito
entre suas pernas.
Lentamente,
em tons plumosos,
havia começado a
pintar
uma delicada
peça de vestuário
(sua marca registrada)
sobre essa greta
de seu corpo. A boca
de
seu rosto
mostra-se deferente, enfadada,
a fingir
necessidade de sono.
A tela
delimita o que lhe
vai na superfície,
a história,
por isso somos por
ela atraídos,
seus azuis
e amarelos brilhando
como uma paragem
com faias num final
de tarde
na Alemanha, no
outono.
Chama-se
“Buchenwald” e estamos
em 1890. Na
pintura finalizada,
o argumento
tem algo a ver
com prazer.
Em: “Erosão” (1983)
A Noiva (obra inacabada)
(1918)
(Gustav Klimt: pintor
austríaco)
Nota:
(*). Buchenwald: floresta ou bosque de faias, em alemão.
Referência:
GRAHAM, Jorie. Two paintings
by Gustav Klimt. In: __________. The dream of the unified field:
selected poems (1974-1994). Hopewell, NJ: The Eco Press, 1995. p. 42-44.
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