Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Jorie Graham - Duas Pinturas de Gustav Klimt

Neste longo poema de Graham há menções, salvo engano, às pinturas “Buchenwald”, finalizada em 1902, e “A Noiva”, inacabada, embora datada de 1918 (v. reproduções a seguir): em ambas, uma mirada superficial deixaria de contemplar algo mais profundo, eivado de repercussões morais – claro está, à luz das perspectivas deontológicas da falante, supervenientemente, portanto, ao momento em que as obras de arte vieram a lume.

 

Em relação à tela “Buchenwald”, quase se pode deduzir a presumível antinomia entre o estado antecedente de radiosa placidez do bosque de faias e o que, mais tarde, veio a suceder naquelas paragens, com a instalação de um campo de concentração nazista. No que concerne à pintura “A Noiva”, o erótico, mesclado ao obsceno e ao pornográfico, converge a um sítio que se pretende de juízo suspenso, de irônica neutralidade.

 

Ante o exposto, infere-se que uma leitura possível do poema talvez seja a de que uma obra de arte tem o poder de extrapolar as circunstâncias do momento em que foram produzidas, na medida em que, no avançar do tempo, restam apenas os olhares contemplativos dos que a admiram em dado momento histórico, atribuindo-lhe sentidos quiçá bastante diversos daqueles cogitados inicialmente pelo artista.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorie Graham

(n. 1950)

 

Two Paintings by Gustav Klimt

 

Although what glitters

on the trees,

row after perfect row,

is merely

the injustice

of the world,

 

the chips on the bark of each

beech tree

catching the light, the sum

of these delays

is the beautiful, the human

beautiful,

 

body of flaws.

The dead

would give anything,

I’m sure,

to step again onto

the leafrot,

 

into the avenue of mottled shadows,

the speckled

broken skins. The dead

in their sheer

open parenthesis, what they

wouldn’t give

 

for something to lean on

that won’t

give way. I think I

would weep

for the moral nature

of this world,

 

for right and wrong like pools

of shadow

and light you can step in

and out of

crossing this yellow beech forest,

this buchen-wald,

 

one autumn afternoon, late

in the twentieth

century, in hollow light,

in gaseous light...

To receive the light

and return it

 

and stand in rows, anonymous,

is a sweet secret

even the air wishes

it could unlock.

See how it pokes at them

in little hooks,

 

the blue air, the yellow trees.

Why be afraid?

They say when Klimt

died suddenly

a painting, still

incomplete,

 

was found in his studio,

a woman’s body

open at its point of

entry,

rendered in graphic,

pornographic,

 

detail – something like

a scream

between her legs. Slowly,

feathery,

he had begun to paint

a delicate

 

garment (his trademark)

over this mouth

of her body. The mouth

of her face

is genteel, bored, feigning a need

for sleep. The fabric

 

defines the surface,

the story,

so we are drawn to it,

its blues

and yellows glittering

like a stand

 

of beech trees late

one afternoon

in Germany, in fall.

It is called

Buchenwald, it is

1890. In

 

the finished painting

the argument

has something to do

with pleasure.

 

In: “Erosion” (1983)

 

Buchenwald (1902)

(Gustav Klimt: pintor austríaco)

 

Duas Pinturas de Gustav Klimt

 

Ainda que o que reluza

nas árvores,

renque após perfeito renque,

não seja mais que

a injustiça

do mundo,

 

as lascas na casca de cada

faia

captando a luz, a soma

de tais retardos

o belo traduz, o belo

humano,

 

corpo de imperfeições.

Os mortos

dariam qualquer coisa,

tenho a certeza,

para voltar a andar

sobre folhas putrefatas,

 

na avenida de matizadas sombras,

em camadas rotas

e salpicadas. Os mortos,

com seus parênteses aprumados

e abertos, o que

não dariam

 

por algo em que se apoiar

e que não viesse

a ceder. Penso que eu

prantearia

a natureza moral

deste mundo,

 

diante do certo e do errado, como charcos

de sombra

e de luz em que se pode entrar

e sair

ao cruzar este bosque de faias amarelas,

este buchen-wald, (*)

 

numa tarde de outono, ao final

do século

vinte, sob uma luz oca,

uma luz gasosa...

Receber a luz

e restituí-la,

 

mantendo-se em renques, no anonimato,

é um doce segredo

que até o ar desejaria

poder desvelar.

Vejam como ela os espicaça

em pequenos ganchos,

 

o ar azul, as árvores amarelas.

Por que ter medo?

Dizem que, quando Klimt

faleceu subitamente,

uma pintura, ainda

incompleta,

 

foi encontrada em seu estúdio,

o corpo de uma mulher

aberto em seu ponto de

entrada,

renderizado em detalhes gráficos,

pornográficos

 

– algo assim como

um grito

entre suas pernas. Lentamente,

em tons plumosos,

havia começado a pintar

uma delicada

 

peça de vestuário (sua marca registrada)

sobre essa greta

de seu corpo. A boca de

seu rosto

mostra-se deferente, enfadada, a fingir

necessidade de sono. A tela

 

delimita o que lhe vai na superfície,

a história,

por isso somos por ela atraídos,

seus azuis

e amarelos brilhando

como uma paragem

 

com faias num final

de tarde

na Alemanha, no outono.

Chama-se

“Buchenwald” e estamos

em 1890. Na

 

pintura finalizada,

o argumento

tem algo a ver

com prazer.

 

Em: “Erosão” (1983)

 

A Noiva (obra inacabada) (1918)

(Gustav Klimt: pintor austríaco)

 

Nota:

 

(*). Buchenwald: floresta ou bosque de faias, em alemão.

 

Referência:

 

GRAHAM, Jorie. Two paintings by Gustav Klimt. In: __________. The dream of the unified field: selected poems (1974-1994). Hopewell, NJ: The Eco Press, 1995. p. 42-44.

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