Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Octavio Paz - O rosto e o vento

Aparentemente em uma paragem na Índia – Paz lá esteve como embaixador do México –, o falante escala uma colina e encontra escombros de um monumento abandonado, dedicado a Buda, já com a face coberta por sedimentos e formigas transitando de cima a baixo: preservado, nada obstante, o sorriso iluminado do mestre religioso – “Transit umbra, lux permanet”.

 

O poema se encerra fazendo um paralelo entre a efemeridade extrínseca à voz lírica – os aludidos escombros são a marca indelével dos efeitos incontornáveis do tempo – e a fugacidade daquele momento, ou, sincronicamente, a sua própria impermanência, metaforizada pelo “vento diáfano que se detém, gira sobre si mesmo e se dissipa”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Octavio Paz

(1914-1998)

 

La cara y el viento

 

Bajo un sol inflexible

llanos ocres, colinas leonadas.

Trepé por un breñal una cuesta de cabras

hacia un lugar de escombros:

pilastras desgajadas, dioses decapitados.

A veces, centelleos subrepticios:

una culebra, alguna lagartija.

Agazapados en las piedras,

color de tinta ponzoñosa,

pueblos de bichos quebradizos.

Un patio circular, un muro hendido.

Agarrada a la tierra – nudo ciego,

árbol todo raíces – la higuera religiosa.

Lluvia de luz. Un bulto gris: el Buda.

Una masa borrosa sus facciones,

por las escarpaduras de su cara

subían y bajaban las hormigas.

Intacta todavía,

todavía sonrisa, la sonrisa:

golfo de claridad pacífica.

Y fui por un instante diáfano

viento que se detiene,

gira sobre sí mismo y se disipa.

 

Paisagem com ruínas e figuras clássicas

(Marco Ricci: pintor italiano)

 

O rosto e o vento

 

Sob um sol implacável

planícies ocres, fulvas colinas.

Escalei por uma brenha uma encosta de cabras

até um lugar de escombros:

pilastras despedaçadas, deuses decapitados.

Às vezes, cintilações sub-reptícias:

uma serpente, um lagarto.

Escondidos nas pedras,

cor de tinta tóxica,

colônias de insetos quebradiços.

Um pátio circular, uma parede fendida.

Agarrada à terra – nó cego,

árvore toda raízes – a figueira religiosa.

Chuva de luz. Um vulto cinzento: o Buda.

Suas feições uma massa de sedimentos;

pelas escarpas de seu rosto

subiam e desciam as formigas.

Ainda intacto,

ainda a sorrir, o sorriso:

golfo de claridade pacífica.

E fui por um instante diáfano

vento que se detém,

gira sobre si mesmo e se dissipa.

 

Referência:

 

PAZ, Octavio. La cara y el viento. In: __________. Obras completas. Obra poética II: 1969-1998. Árbol adentro: 1976-1988. Tomo XII. Edición del autor. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2004. p. 143. (‘Letras Mexicanas’)

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