Em linha com o tema
de muitos poemas já aqui postados – o caráter efêmero de todo ciclo vital –,
estas linhas de Hesse difundem o seu contumaz e extremamente aguçado sentimento
do limitado e do ilusório em relação às coisas deste mundo, que a sucessão de
vida e morte ata e desata.
Nada obstante, persiste
aquela vã esperança de que algo associado à nossa viagem por este oceano
informe se conecte a fins mais estáveis, melhor seria dizer, perduráveis e de
natureza superior: o ente lírico não nomeia o “antigo filósofo”, embora se
possa presumir a figura de Platão por trás desse ideal consciente de sua
própria relatividade.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
Beim Lesen in einem
alten Philosophen
Was gestern noch voll
Reiz und Adel war,
Jahrhundertfrucht
erlesener Gedanken,
Plötzlich erblaßt’s,
wird welk und Sinnes bar
Wie eine
Notenschrift, aus deren Ranken
Man Kreuz und
Schlüssel löschte; es entwich
Aus einem Bau der
magische Schwerpunkt; lallend
Wankt auseinander und
zerlüdert sich,
Was Harmonie schien,
ewig widerhallend.
So kann ein altes
weises Angesicht,
Das liebend wir
bewundert, sich zerknittern
Und todesreif sein
geistig strahlend Licht
In kläglich irrem
Fältchenspiel verzittern.
So kann ein
Hochgefühl in unsern Sinnen
Sich, kaum gefühlt,
verfratzen zu Verdruß,
Als wohne längst
schon die Erkenntnis innen,
Daß alles faulen,
welken, sterben muß.
Und über diesem eklen
Leichentale
Reckt dennoch
schmerzvoll, aber unverderblich,
Der Geist voll
Sehnsucht glühende Fanale,
Bekriegt den Tod und
macht sich selbst unsterblich.
Nov. 24 , 1936
O Filósofo
(José de Ribera:
pintor espanhol)
Lendo um Antigo Filósofo
O que ontem possuía
encantos e nobreza,
Fruto de séculos de
pensamentos raros,
De chofre empalidece,
murcha e perde o sentido,
Como as claves de uma
partitura
Em que apagamos
claves, sustenidos;
Desapareceu de um edifício
O centro mágico de
gravidade,
A gaguejar vacila,
desmorona,
Num eterno ecoar,
O que tinha aparência
de harmonia.
Assim também um rosto
Velho e cheio de
sabedoria,
Que idolatrávamos,
Amarrota-se e, pronto
para a morte,
Tremula sua
fulgurante luz espiritual,
Em um jogo lastimoso e
erradio
De rugas miudinhas.
Assim também um
elevado sentimento
Pode em nossos
sentidos, num instante,
Em esgares
transformar-se em dissabor,
Como se há muito
possuísse dentro de si
O saber de que tudo
apodrece,
Tudo tem de murchar e
de morrer.
E sobre esse nojento
vale de cadáveres
Se estira dorido e,
no entanto, incorrupto,
O espírito saudoso de
fanais ardentes,
Combate a morte e
torna-se imortal.
24 de novembro de
1936
Referências:
Em Alemão
HESSE, Hermann. Beim lesen
in einem alten philosophen. In: __________. Die gedichte: 1892-1962. 19.
auflage. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp, 1977. s. 332.
Em Português
HESSE, Hermann. Lendo um antigo filósofo. Tradução de Lavinia Abranches Viotti e Flávio Vieira de Souza. In: __________. O jogo das contas de vidro. 7. ed. Tradução de Lavinia Abranches Viotti e Flávio Vieira de Souza. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso, 2017. p. 521-522.
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