Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Joan V. Murray - Falais de Arte

Para quem faleceu com pouco menos de 25 anos, o discurso de Murray já apresenta uma entonação algo madura, de inquietação quanto ao que se lhe afigura vazio de sentido, com lastro no histórico – recente ou remoto – legado pelas manifestações artísticas, laborais ou editoriais, tão sobrelevadas pelos de cultura pretensamente refinada.

 

Parece-lhe que os que estão a lhe apontar esse caminho assim o fazem com o objetivo de se manterem ocupados até o pescoço, sugerindo possíveis trilhas a seguir para preservar seus nomes em alta, a despeito da frivolidade em que incorrem: como desagravo, a voz lírica se propõe a dissertar sobre esse nada, cansando à exaustão o maxilar, até que no rosto de cada um desses proponentes se faça estampar um “grande bocejo”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Joan V. Murray

(1917-1942)

 

You Talk of Art

 

You talk of art, of work, of books.

Have you ever sat down, thought all that’s to do?

That book to read, that book to write,

Sat down, stood up, walked back and forth,

Because not an action you could do would

Fill the gap that’s wanting action to the chin?

 

Look. Look into the past one damned moment,

And on that you ask me to work, to dream, to do?

Try it yourself on nothing. I can’t.

 

Every confounded one has had so much of life

That left them gasping in a stinking or a lighter air,

Left out of breath and glad to think at last,

Higher or lower, their there and there and there.

 

And where am I? Where I began, and where I’ll end:

Sitting, sitting, with the last grain of will

Rotting in time, and there’s no time or tide in me.

 

You talk of art, of work, of books.

I’ll talk of nothing in its lowest state,

Talk till my jaw hangs limply at the joint,

And the talk that’s one big yawn in the face of all of you,

Empty as head, empty as mood, and weak.

And I can hear all the watery wells of desolation

Lapping a numbing sleep within the head.

 

Vanitas: natureza-morta

(Maria van Oosterwijck: pintora holandesa)

 

Falais de Arte

 

Falais de arte, de trabalho, de livros:

Alguma vez vos sentastes, pensando em tudo o que há a fazer?

Aquele livro para ler, aquele outro a escrever,

Sentar, levantar, andar para trás e para frente,

Porque nenhuma ação que venhais a realizar haverá

De preencher a lacuna de vos manterdes ocupados até o pescoço?

 

Vede. Olhais no passado um maldito momento,

Acerca do qual me pedis que trabalhe, que sonhe, que aja?

Submetei-o vós mesmos à prova acerca do nada. Não me habilito a tanto.

 

Todos os desorientados usufruíram à farta da vida

Que se puseram a arquejar num ar fétido ou mais leve,

Deixados sem fôlego e felizes para finalmente matutar,

Mais acima ou mais abaixo, sobre o seu lá, ali e acolá.

 

E onde estou? Onde comecei e onde hei de terminar:

Sentada, sentada, com o último grão de vontade

A apodrecer no tempo – e não há tempo nem maré em mim.

 

Falais de arte, de trabalho, de livros.

Falarei do nada em seu mais baixo estado,

Falarei até que meu maxilar penda sem força na articulação,

E a parla se torne, qual um grande bocejo na cara de todos vós,

Vazia como o cérebro, como o estado de ânimo – e débil.

E posso ouvir todos os poços aquosos da desolação

A acalentar um entorpecente sono dentro da cabeça.

 

Nota:

 

(*). A rigor, no original, “até o queixo”.

 

Referência:

 

MURRAY, Joan. You talk of art. In: Lehman, David; Brehm, John (Eds.). The Oxford book of american poetry. 9th print. New York, NY: Oxford University Press, 2006. p. 641.

Nenhum comentário:

Postar um comentário