Para quem faleceu com
pouco menos de 25 anos, o discurso de Murray já apresenta uma entonação algo
madura, de inquietação quanto ao que se lhe afigura vazio de sentido, com
lastro no histórico – recente ou remoto – legado pelas manifestações artísticas,
laborais ou editoriais, tão sobrelevadas pelos de cultura pretensamente
refinada.
Parece-lhe que os que
estão a lhe apontar esse caminho assim o fazem com o objetivo de se manterem
ocupados até o pescoço, sugerindo possíveis trilhas a seguir para preservar
seus nomes em alta, a despeito da frivolidade em que incorrem: como
desagravo, a voz lírica se propõe a dissertar sobre esse nada, cansando à
exaustão o maxilar, até que no rosto de cada um desses proponentes se faça
estampar um “grande bocejo”.
J.A.R. – H.C.
Joan V. Murray
(1917-1942)
You Talk of Art
You talk of art, of
work, of books.
Have you ever sat
down, thought all that’s to do?
That book to read,
that book to write,
Sat down, stood up,
walked back and forth,
Because not an action
you could do would
Fill the gap that’s
wanting action to the chin?
Look. Look into the
past one damned moment,
And on that you ask
me to work, to dream, to do?
Try it yourself on
nothing. I can’t.
Every confounded one
has had so much of life
That left them
gasping in a stinking or a lighter air,
Left out of breath
and glad to think at last,
Higher or lower,
their there and there and there.
And where am I? Where
I began, and where I’ll end:
Sitting, sitting,
with the last grain of will
Rotting in time, and
there’s no time or tide in me.
You talk of art, of
work, of books.
I’ll talk of nothing
in its lowest state,
Talk till my jaw
hangs limply at the joint,
And the talk that’s
one big yawn in the face of all of you,
Empty as head, empty
as mood, and weak.
And I can hear all
the watery wells of desolation
Lapping a numbing
sleep within the head.
Vanitas:
natureza-morta
(Maria van
Oosterwijck: pintora holandesa)
Falais de Arte
Falais de arte, de
trabalho, de livros:
Alguma vez vos sentastes,
pensando em tudo o que há a fazer?
Aquele livro para
ler, aquele outro a escrever,
Sentar, levantar,
andar para trás e para frente,
Porque nenhuma ação
que venhais a realizar haverá
De preencher a lacuna
de vos manterdes ocupados até o pescoço?
Vede. Olhais no
passado um maldito momento,
Acerca do qual me pedis
que trabalhe, que sonhe, que aja?
Submetei-o vós mesmos
à prova acerca do nada. Não me habilito a tanto.
Todos os
desorientados usufruíram à farta da vida
Que se puseram a arquejar
num ar fétido ou mais leve,
Deixados sem fôlego e
felizes para finalmente matutar,
Mais acima ou mais
abaixo, sobre o seu lá, ali e acolá.
E onde estou? Onde
comecei e onde hei de terminar:
Sentada, sentada, com
o último grão de vontade
A apodrecer no tempo
– e não há tempo nem maré em mim.
Falais de arte, de
trabalho, de livros.
Falarei do nada em
seu mais baixo estado,
Falarei até que meu
maxilar penda sem força na articulação,
E a parla se torne,
qual um grande bocejo na cara de todos vós,
Vazia como o cérebro,
como o estado de ânimo – e débil.
E posso ouvir todos
os poços aquosos da desolação
A acalentar um
entorpecente sono dentro da cabeça.
Nota:
(*). A rigor, no
original, “até o queixo”.
Referência:
MURRAY, Joan. You talk
of art. In: Lehman, David; Brehm, John (Eds.). The Oxford book of american
poetry. 9th print. New York, NY: Oxford University Press, 2006. p. 641.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário