Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de julho de 2023

Edson Falcão - A Oficina

Para um autor versado em Filosofia, uma voz lírica a falar do ofício de ferreiro ou similar somente pode ser apreendida à luz de uma indumentária metafórica, pois que as palavras e a imaginação são a torrente que corre à solta quando ela tenciona dar concretude aos seus pensamentos em forma de versos – ainda que sobre estes se possa assentar a poeira do tempo.

 

É nessa oficina que o poeta usufrui de um prazer remanescente a toda “euforia” predicada como “falsa”, provável resultante de remotas festas, noitadas, baladas etílicas: a idade avança em companhia do siso e ele se olha no espelho em companhia de todas as coisas que foram objeto de sua criação, em franco estado de desgaste. E isso é quase tudo – diria algum filósofo alemão – de que se é capaz de alcançar em vida...

 

J.A.R. – H.C.

 

Edson Falcão

(n. 1979)

 

A Oficina

 

Fico em minha oficina

ruminando álcool

tudo quanto eu frequentava

traz agora uma brecha

abandono as festas   a noite   a euforia falsa

e construo meu prazer aqui

ao rés do que resta

 

na oficina já compus jarros de ferro

armas   espelhos   peças   móveis de ferro

 

nela a criação não é um mistério

nela as coisas são o que fiz a partir do ferro

 

Fico em minha oficina

sabendo que ao fim do prazo das coisas

poderei visitar-lhes o ossário

 

ver a morte dos móveis

a asa que jaz no jarro

acompanhar a velhice dos versos

ver-me na idade do espelho

 

Em: “O ossário de um ferreiro” (2003)

 

O ferreiro

(Bogdan Nitescu: pintor romeno)

 

Referência:

 

FALCÃO, Edson. A oficina. In: VASQUES, Marco (Seleção e Organização). Moradas de Orfeu: antologia poética. Apresentação de Péricles Prade. Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2011. p. 52.

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