Para um autor versado
em Filosofia, uma voz lírica a falar do ofício de ferreiro ou similar somente
pode ser apreendida à luz de uma indumentária metafórica, pois que as palavras
e a imaginação são a torrente que corre à solta quando ela tenciona dar
concretude aos seus pensamentos em forma de versos – ainda que sobre estes se
possa assentar a poeira do tempo.
É nessa oficina que o
poeta usufrui de um prazer remanescente a toda “euforia” predicada como “falsa”,
provável resultante de remotas festas, noitadas, baladas etílicas: a idade
avança em companhia do siso e ele se olha no espelho em companhia de todas as
coisas que foram objeto de sua criação, em franco estado de desgaste. E isso é
quase tudo – diria algum filósofo alemão – de que se é capaz de alcançar em
vida...
J.A.R. – H.C.
Edson Falcão
(n. 1979)
A Oficina
Fico em minha oficina
ruminando álcool
tudo quanto eu
frequentava
traz agora uma brecha
abandono as festas a noite
a euforia falsa
e construo meu prazer
aqui
ao rés do que resta
na oficina já compus
jarros de ferro
armas espelhos
peças móveis
de ferro
nela a criação não é
um mistério
nela as coisas são o
que fiz a partir do ferro
Fico em minha oficina
sabendo que ao fim do
prazo das coisas
poderei visitar-lhes
o ossário
ver a morte dos
móveis
a asa que jaz no
jarro
acompanhar a velhice
dos versos
ver-me na idade do
espelho
Em: “O ossário de um
ferreiro” (2003)
O ferreiro
(Bogdan Nitescu:
pintor romeno)
Referência:
FALCÃO, Edson. A
oficina. In: VASQUES, Marco (Seleção e Organização). Moradas de Orfeu:
antologia poética. Apresentação de Péricles Prade. Florianópolis, SC: Letras
Contemporâneas, 2011. p. 52.
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