Há quem, como o ente
lírico, se agrade em estar só, não que essa seja a melhor alternativa a estar mal-acompanhado
(rs), senão porque em tais momentos o falante pode usufruir, compenetrado, dos
vestígios que marcaram as horas, frescas ou remotas, de festins durante os
quais – à leitura de alguns versos – se presumem saraus musicais, talvez
melhor, algo como performances ao piano, em salas decoradas com requinte.
A bem dizer, o substrato
poético é bem mais enovelante que isso, pois que se distende a uma atmosfera de
sonho, em meio ao silêncio e à solidão, tudo bastante à maneira dos protótipos
simbolistas: um repertório de sensações molda a textura da “torre de marfim” em
que enclausurado o poeta, demarcando o perímetro de seu universo interior – plaga
na qual abunda o seu pasmo de viver.
J.A.R. – H.C.
Eduardo Guimarães
(1892-1928)
Doçura de estar só...
Doçura de estar só
quando a alma torce as mãos!
– Oh! doçura que tu,
silêncio, unicamente
sabes dar a quem
sonha e sofre em ser o Ausente,
ao lento perpassar
destes instantes vãos!
Doçura de estar só
quando alguém pensa em nós!
De amar e de evocar,
pelo esplendor secreto
e pálido de uma hora
em que ao Seu lábio inquieto
florescer, como um lírio
estranho, a Sua voz!
E os lustres de
cristal! E as teclas de marfim!
E os candelabros que,
olvidados, se apagaram!
E a saudade,
acordando as vozes que calaram!
Doçura de estar só
quando finda o festim!
Doçura de estar só,
calado e sem ninguém!
Dolência de um murmúrio
em flor que a sombra exala,
sob o fulgor da noite
aureolada de opala
que uma urna de
astros de ouro ao seio azul sustém!
Doçura de estar só!
Silêncio e solidão!
Ó fantasma que vem do
sonho e do abandono,
dá-me que eu durma ao
pé de ti do mesmo sono!
Fecha entre as tuas mãos
as minhas mãos de irmão!
Em: “Divina quimera”
(1916)
Homem a sós
(Uwe Wenzel: artista
alemão)
Referência:
GUIMARÃES. Eduardo.
Doçura de estar só... In: JUNKES, Lauro (Seleção e Prefácio). Roteiro da
poesia brasileira: simbolismo. São Paulo, SP: Global, 2006. p. 140.
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