Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 11 de julho de 2023

Michel Deguy - Jacentes

Deguy – poeta francês recentemente falecido – faz referência nestas linhas, desde o título, às efígies funerárias de figuras reclinadas – em contraste àquelas que, em súplicas, continuam a orar –, postulando, figurativamente, por uma providente ressurreição, ainda que, logo depois, a voz lírica se pergunte “Para quê?”: “Melhor seria o incurável curar a cada dia”!

 

Belo é o remate do poema, a revelar ainda traços de esperança de que a poesia se mostre capaz de ligar na terra aquilo que, em seu próprio nome, se encontra ligado, conferindo dinâmica à parelha ‘morte x ressurreição’, ou de outro modo, o poema entre oclusão e abertura, fecho e exórdio, desenganos e promessas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Michel Deguy

(1930-2022)

 

Gisants

 

(Faire de gisants une résurrection. À quoi?)

Mieux vaut guérir chaque jour l’inguérissable

(Ce pontife parlait d’un esprit de résurrection)

comme un médicin de Jaffa, forcer la mort

à raffiner son mat, ce jour le même

que nous reconnaissons, comme un enfant qui se déguise

passé la surprise du réveil, sous son masque de ressuscitant

Je crois que quelque chose comme un air de résurrection

est au travail avec la mort et que c’est au poème

dont le dire emporte plus que ce qu’il enrôle

prenant les choses par les hétéronymes

de l’autre chose qu’il désire

à dire de la poésie que ce que vous lierez

en son nom sera lié sur la terre

 

Dans: “Gisants” (1985)

 

A morte de Albine

(John Collier: pintor inglês)

 

Jacentes

 

(Fazer de jacentes uma ressurreição. Para quê?)

Melhor seria o incurável curar a cada dia

(Este pontífice falava de um espírito de ressurreição)

como um médico de Jaffa, obrigar a morte

a refinar seu fosco, este dia o mesmo

que reconhecemos, como uma criança que se disfarça

passado o susto de acordar, com sua máscara de ressuscitante

Creio que algo como um ar de ressurreição

está em obra com a morte e que cabe ao poema

cujo dizer carreia mais do que ali se arrola

ao tomar as coisas pelos heterônimos

da distinta coisa que deseja

dizer da poesia que aquilo que se liga

em seu nome estará ligado sobre a terra

 

Em: “Jacentes” (1985)

 

Referência:

 

DEGUY, Michel. Gisants / Jacentes. Tradução de Paula Glenadel e Marcos Sisear. In: __________. A rosa das línguas. Edição bilíngue: francês x português. Organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar. São Paulo, SP: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, RJ: Viveiros de Castro Editora, 2004. Em francês: p. 130; em português: p. 131. (Coleção ‘Ás de colete’; v. 6)

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