Deguy – poeta francês
recentemente falecido – faz referência nestas linhas, desde o título, às
efígies funerárias de figuras reclinadas – em contraste àquelas que, em
súplicas, continuam a orar –, postulando, figurativamente, por uma providente ressurreição,
ainda que, logo depois, a voz lírica se pergunte “Para quê?”: “Melhor seria o
incurável curar a cada dia”!
Belo é o remate do
poema, a revelar ainda traços de esperança de que a poesia se mostre capaz de
ligar na terra aquilo que, em seu próprio nome, se encontra ligado, conferindo
dinâmica à parelha ‘morte x ressurreição’, ou de outro modo, o poema entre oclusão e
abertura, fecho e exórdio, desenganos e promessas.
J.A.R. – H.C.
Michel Deguy
(1930-2022)
Gisants
(Faire de gisants une
résurrection. À quoi?)
Mieux vaut guérir
chaque jour l’inguérissable
(Ce pontife parlait
d’un esprit de résurrection)
comme un médicin de
Jaffa, forcer la mort
à raffiner son mat,
ce jour le même
que nous
reconnaissons, comme un enfant qui se déguise
passé la surprise du
réveil, sous son masque de ressuscitant
Je crois que quelque
chose comme un air de résurrection
est au travail avec
la mort et que c’est au poème
dont le dire emporte
plus que ce qu’il enrôle
prenant les choses
par les hétéronymes
de l’autre chose
qu’il désire
à dire de la poésie
que ce que vous lierez
en son nom sera lié
sur la terre
Dans: “Gisants”
(1985)
A morte de Albine
(John Collier: pintor
inglês)
Jacentes
(Fazer de jacentes
uma ressurreição. Para quê?)
Melhor seria o
incurável curar a cada dia
(Este pontífice
falava de um espírito de ressurreição)
como um médico de
Jaffa, obrigar a morte
a refinar seu fosco,
este dia o mesmo
que reconhecemos,
como uma criança que se disfarça
passado o susto de
acordar, com sua máscara de ressuscitante
Creio que algo como
um ar de ressurreição
está em obra com a
morte e que cabe ao poema
cujo dizer carreia
mais do que ali se arrola
ao tomar as coisas
pelos heterônimos
da distinta coisa que
deseja
dizer da poesia que
aquilo que se liga
em seu nome estará
ligado sobre a terra
Em: “Jacentes” (1985)
Referência:
DEGUY, Michel. Gisants
/ Jacentes. Tradução de Paula Glenadel e Marcos Sisear. In: __________. A
rosa das línguas. Edição bilíngue: francês x português. Organização e tradução de Paula
Glenadel e Marcos Siscar. São Paulo, SP: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, RJ:
Viveiros de Castro Editora, 2004. Em francês: p. 130; em português: p. 131. (Coleção
‘Ás de colete’; v. 6)
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