Como se estivesse experimentando um pesadelo, ecoa na mente da voz lírica acordes de um tambor marcando a cadência de um serviço fúnebre – de seu próprio corpo físico ou, talvez melhor, de sua consciência, lucidez, faculdades de juízo –, reforçados pelo rangido produzido pelos passos, sobre um piso de tábuas, daqueles que da procissão participam, calçados com “botas de chumbo”.
“Naufragada e solitária”,
toldada em sua razão, confrangida até, a falante, depois que se parte uma das
tábuas do assoalho, submerge em um mundo que, a cada mergulho, finda por
compreender – o lugar de seu descanso final –, não exatamente caracterizado ou
descrito, mas que se pode inferior pela sequência dos versos.
J.A.R. – H.C.
Emily Dickinson
(1830-1886)
I Felt a Funeral, in
my Brain
I felt a funeral, in
my brain,
And mourners to and
fro
Kept treading –
treading – till it seemed
That sense was
breaking through.
And when they all
were seated,
A Service, like a drum,
Kept beating –
beating – till I thought
My mind was going
numb.
And then I heard them
lift a box
And creak across my soul
With those same boots
of lead, again,
Then space began to
toll,
As all the heavens
were a bell,
And being, but an ear,
And I, and silence,
some strange race,
Wrecked, solitary,
here.
And then a plank in reason,
broke,
And I dropped down,
and down.
And hit a world, at
every plunge,
And finished knowing
then.
O funeral de uma
jovem na Riviera
(Hugh Cameron: pintor
escocês)
Em meu Cérebro Senti
um Funeral
Em meu cérebro senti
um funeral
Aqui e ali
carpideiras caminhando –
Caminhando – até que súbito
o significado
Daquilo pareceu-me
desvendado.
E quando todos
estavam sentados
Um Ofício, como um
tambor,
Batendo, batendo, me
fez supor
Que minha razão se
havia turbado.
Então ouvi que um
caixão era erguido
E em minha alma
rangia
Com aquelas mesmas
pisadas de chumbo
E que o espaço
plangia,
Como se o firmamento
todo fosse um sino
E o Altíssimo, em si,
um só ouvido.
E eu, o silêncio,
alguma espécie estranha,
Naufragada,
solitária, aqui.
Em minha mente
partiu-se uma tábua
E cai. Fui descendo,
descendo,
Cada mergulho me
levou a um mundo
E então terminei compreendendo.
Referência:
DICKINSON, Emily. I felt
a funeral, in my brain / Em meu cérebro senti um funeral. Tradução de Idelma
Ribeiro de Faria. In: FARIA, Idelma Ribeiro de (Tradução e ensaios). T. S.
Eliot, Emily Dickinson e René Depestre: seleção. São Paulo, SP: Hucitec,
1992. Em inglês: p. 102; em português: p. 103. (Coleção ‘Literatura
Estrangeira’; v. 1)
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