Bem mais abreviado
que o longo poema “Canto ao
Homem do Povo Charlie Chaplin”, de Drummond, esta septilha do poeta, romancista
e ensaísta haitiano, nada obstante, finda quase do mesmo modo que aquele, ao
enfatizar a ideia de que, por trás da personagem cinematográfica, subjaz uma
mensagem de esperança, ainda que a recolha dos dias possa, amiúde, afadigar
os olhos com o “pó da estrada” ou suas “cinzas”.
Muito provavelmente,
o “herdeiro de Carlito” a que alude Depestre é o poeta, que, em outra forma de
linguagem – não a do cinema mudo –, projeta conjunturas alternativas ali onde a
realidade apresenta tantos desconcertos, erguendo cenários para um mundo
melhor – porque sem sonhos, claro está, o ser humano acabaria por se exaurir num
ermo infecundo.
J.A.R. – H.C.
René Depestre
(n. 1926)
Un héritier de
Charlot
Donne à ton lyrisme
un ample pantalona
de grands souliers
une veste étroite
un bâton une moustache
et un chapeau
prodige de la lumière
et de la pluie
armé de ces feux
descends dans la rue
aider l’espérance et
la pâle tendresse
à porter sans
flancher leurs sacs de cendres.
Dans: “En état de
poésie” (1980)
Charles Chaplin
em “O
Garoto” (1921)
Um herdeiro de
Carlito
Dá a teu lirismo
calças largas
grandes sapatos um
jaleco estreito
uma bengala um bigode
e um chapéu
[prodígio da luz e da
chuva] (*)
e armado desses fogos
desce à rua
para ajudar a
esperança e a pálida ternura
a levar sem recuar
seus alforjes de cinza.
Em: “Em estado de
poesia” (1980)
Nota:
(*). Este verso,
apesar de constar no poema original, em francês, à pág. 174 da obra em
referência, deixou de integrar, muito provavelmente por falha da edição, a
correspondente versão ao português, à pág. 175. No mais, tal e qual o poema
como traduzido.
Referência:
DEPESTRE, René. Un
héritier de Charlot / Um herdeiro de Carlitos. Tradução de Idelma Ribeiro de
Faria. In: FARIA, Idelma Ribeiro de (Tradução e ensaios). T. S. Eliot, Emily
Dickinson e René Depestre: seleção. São Paulo, SP: Hucitec, 1992. Em
francês: p. 174; em português: p. 175. (Coleção ‘Literatura Estrangeira’; v. 1)
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