Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Gabriel Bicalho - A Poesia

Empreendendo voos insuspeitos, a poesia plana nos céus, mesmo não sendo estrela cadente ou nave espacial, tampouco folha solta a flutuar pelos ares ou, mesmo, matéria de sonhos a nos deleitar ou assombrar durante a noite. Seja como for, não deixa de ser “algo que voa”, como uma gaivota ou, talvez, “um corvo de dentro da gente”.

 

Pode-se encetar algum paralelo entre o poema de Bicalho e o tantas vezes parodiado poema “Ars Poetica”, de Archibald MacLeish (1892-1982), especialmente quando o poeta norte-americano afirma que “um poema deve dispensar palavras, como o voo dos pássaros”, ou por outra, há de simplesmente “ser”, não “significar”.

 

Essa discreta energia do poema dentro de nós, poder-se-ia rematar, prescindiria de vozerio em relação ao que teria a dizer – afinal, uma estrela ou gaivota não ficam a apregoar a sua existência: para adejar pelos quatro cantos, o poeta – como um Noé – deixa sair de si, de sua “arca” (leia-se, de sua mente), um corvo à procura de terreno seco onde pousar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gabriel Bicalho

(n. 1948)

 

A Poesia

 

algo que voa:

não voa de estrelas

nem de nave voa

 

algo que voa:

gaivota não sendo

nem folhas talvez

 

algo que voa:

assim como o sonho

não sendo de noite

 

algo que voa:

talvez como um corvo

de dentro da gente

 

Estampa para Noé e o arco-íris”

(Helga Aichinger: ilustradora austríaca)

 

Referência:

 

BICALHO, Gabriel. A poesia. In: CURVELLO, Aricy et alii. Voo vetor: antologia. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1974. p. 37. (‘Coleção do Poeta’; v. 8)

 

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