Empreendendo voos
insuspeitos, a poesia plana nos céus, mesmo não sendo estrela cadente ou nave
espacial, tampouco folha solta a flutuar pelos ares ou, mesmo, matéria de sonhos
a nos deleitar ou assombrar durante a noite. Seja como for, não deixa de ser “algo
que voa”, como uma gaivota ou, talvez, “um corvo de dentro da gente”.
Pode-se encetar algum
paralelo entre o poema de Bicalho e o tantas vezes parodiado poema “Ars
Poetica”, de Archibald MacLeish (1892-1982), especialmente quando o poeta
norte-americano afirma que “um poema deve dispensar palavras, como o voo dos
pássaros”, ou por outra, há de simplesmente “ser”, não “significar”.
Essa discreta energia
do poema dentro de nós, poder-se-ia rematar, prescindiria de vozerio em relação
ao que teria a dizer – afinal, uma estrela ou gaivota não ficam a apregoar a
sua existência: para adejar pelos quatro cantos, o poeta – como um Noé – deixa
sair de si, de sua “arca” (leia-se, de sua mente), um corvo à procura de terreno seco
onde pousar.
J.A.R. – H.C.
Gabriel Bicalho
(n. 1948)
A Poesia
algo que voa:
não voa de estrelas
nem de nave voa
algo que voa:
gaivota não sendo
nem folhas talvez
algo que voa:
assim como o sonho
não sendo de noite
algo que voa:
talvez como um corvo
de dentro da gente
Estampa para “Noé e o arco-íris”
(Helga Aichinger: ilustradora
austríaca)
Referência:
BICALHO, Gabriel. A poesia. In: CURVELLO, Aricy et alii. Voo vetor: antologia. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1974. p. 37. (‘Coleção do Poeta’; v. 8)
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