Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 28 de maio de 2023

Anne Stevenson - O Espírito É um Instrumento Limitado Demais

A poetisa inglesa detém-se nestes versos a enfatizar a beleza e a perfeição do corpo humano, o fascinante e complexo processo biológico da natureza que dá ensejo à geração de uma nova vida, um ato criador que não adviria do espírito, de nenhuma paixão ou sentimento, senão de um hábito adjetivado como “ignorante” – melhor seria dizer “espontâneo”, “involuntário”.

 

Algo que está fixado em nossos genes, não em nossas “inábeis” emoções, concentra-se em uma tarefa tão complexa e importante, com destreza e sutileza, para criar o delicado corpo de um recém-nascido. A mente, por sua vez – nas palavras de Stevenson – somente seria capaz de conceber “amor, desespero, ansiedade e dor”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Anne Stevenson

(1933-2020)

 

The Spirit Is Too Blunt an Instrument

 

The spirit is too blunt an instrument

to have made this baby.

Nothing so unskilful as human passions

could have managed the intricate

exacting particulars: the tiny

blind bones with their manipulating tendons,

the knee and the knucklebones, the resilient

fine meshings of ganglia and vertebrae,

the chain of the difficult spine.

 

Observe the distinct eyelashes and sharp crescent

fingernails, the shell-like complexity

of the ear, with its firm involutions

concentric in miniature to minute

ossicles. Imagine the

infinitesimal capillaries, the flawless connections

of the lungs, the invisible neural filaments

through which the completed body

already answers to the brain.

 

Then name any passion or sentiment

possessed of the simplest accuracy.

No, no desire or affection could have done

with practice what habit

has done perfectly, indifferently,

through the body’s ignorant precision.

It is left to the vagaries of the mind to invent

love and despair and anxiety

and their pain.

 

Mãe e Filho

(William-Adolphe Bouguereau: pintor francês)

 

O Espírito É um Instrumento Limitado Demais

 

O espírito é um instrumento limitado demais

para ter ideado este bebê.

Nada tão inábil quanto as paixões humanas

poderia ter gerido os seus intrincados

e exatos pormenores: os minúsculos

e imperceptíveis ossos com os tendões que os manipulam,

o joelho e os ossos das articulações dos dedos, as malhas

finas e resilientes de gânglios e vértebras,

a cadeia da intrincada coluna vertebral.

 

Observe os nítidos cílios e as unhas afiladas em forma

de meia-lua, a complexidade da orelha semelhante a uma

concha, com suas firmes involuções

concêntricas em miniatura até diminutos

ossículos. Imagine os

capilares infinitesimais, as conexões impecáveis

dos pulmões, os invisíveis filamentos neurais

através dos quais todo o corpo

já responde ao cérebro.

 

Em seguida, nomeie qualquer paixão ou sentimento

que possua a mais simples precisão.

Não, nenhum desejo ou afeição poderia ter feito

com a prática o que o hábito

elaborou à perfeição, indiferentemente,

mediante a ignorante precisão do corpo.

Resta aos caprichos da mente inventar

o amor e o desespero e a ansiedade

e sua dor.

 

Referência:

 

STEVENSON, Anne. The spirit is too blunt an instrument. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st publ. Northumberland, EN: Bloodaxe Books, 2002. p. 183.

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