A poetisa inglesa detém-se
nestes versos a enfatizar a beleza e a perfeição do corpo humano, o fascinante
e complexo processo biológico da natureza que dá ensejo à geração de uma nova
vida, um ato criador que não adviria do espírito, de nenhuma paixão ou
sentimento, senão de um hábito adjetivado como “ignorante” – melhor seria dizer
“espontâneo”, “involuntário”.
Algo que está fixado
em nossos genes, não em nossas “inábeis” emoções, concentra-se em uma tarefa
tão complexa e importante, com destreza e sutileza, para criar o delicado corpo
de um recém-nascido. A mente, por sua vez – nas palavras de Stevenson – somente
seria capaz de conceber “amor, desespero, ansiedade e dor”.
J.A.R. – H.C.
Anne Stevenson
(1933-2020)
The Spirit Is Too
Blunt an Instrument
The spirit is too
blunt an instrument
to have made this
baby.
Nothing so unskilful
as human passions
could have managed
the intricate
exacting particulars:
the tiny
blind bones with
their manipulating tendons,
the knee and the
knucklebones, the resilient
fine meshings of
ganglia and vertebrae,
the chain of the
difficult spine.
Observe the distinct
eyelashes and sharp crescent
fingernails, the
shell-like complexity
of the ear, with its
firm involutions
concentric in
miniature to minute
ossicles. Imagine the
infinitesimal
capillaries, the flawless connections
of the lungs, the
invisible neural filaments
through which the
completed body
already answers to
the brain.
Then name any passion
or sentiment
possessed of the
simplest accuracy.
No, no desire or
affection could have done
with practice what
habit
has done perfectly, indifferently,
through the body’s
ignorant precision.
It is left to the
vagaries of the mind to invent
love and despair and
anxiety
and their pain.
Mãe e Filho
(William-Adolphe
Bouguereau: pintor francês)
O Espírito É um
Instrumento Limitado Demais
O espírito é um
instrumento limitado demais
para ter ideado este bebê.
Nada tão inábil
quanto as paixões humanas
poderia ter gerido os
seus intrincados
e exatos pormenores:
os minúsculos
e imperceptíveis
ossos com os tendões que os manipulam,
o joelho e os ossos das
articulações dos dedos, as malhas
finas e resilientes
de gânglios e vértebras,
a cadeia da intrincada
coluna vertebral.
Observe os nítidos
cílios e as unhas afiladas em forma
de meia-lua, a
complexidade da orelha semelhante a uma
concha, com suas
firmes involuções
concêntricas em
miniatura até diminutos
ossículos. Imagine os
capilares infinitesimais,
as conexões impecáveis
dos pulmões, os invisíveis
filamentos neurais
através dos quais todo
o corpo
já responde ao
cérebro.
Em seguida, nomeie
qualquer paixão ou sentimento
que possua a mais
simples precisão.
Não, nenhum desejo ou
afeição poderia ter feito
com a prática o que o
hábito
elaborou à perfeição,
indiferentemente,
mediante a ignorante
precisão do corpo.
Resta aos caprichos
da mente inventar
o amor e o desespero
e a ansiedade
e sua dor.
Referência:
STEVENSON, Anne. The spirit
is too blunt an instrument. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real
poems for unreal times. 1st publ. Northumberland, EN: Bloodaxe Books, 2002. p.
183.
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