Como que a padecer de
um “exílio” – real ou imaginado – em relação à sua própria pátria, a poetisa urde linhas incisivas, alvitrando um Portugal onde o colorido e o peso das palavras,
como em Pessoa, tornem equivalentes as noções de pátria e de língua (“Minha pátria
é minha língua”), desviando para longe – admitindo-se que haja nos versos a
assunção de certa conotação política – quaisquer vestígios da opressão imposta
por um regime opaco que já estende por décadas.
Percebem-se nestas
estâncias elementos alusivos quer aos atributos naturais quer aos humanos da pátria
lusitana, essa morada onde se plasma a palavra “com paixão”, amalgamando as
coisas a seus nomes, de tal modo a suscitar comoções à flor da pele, no “centro”
mesmo em que se firma a dicção da voz lírica.
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B. Andresen
(1919-2004)
Pátria
Por um país de pedra
e vento duro
Por um país de luz
perfeita e clara
Pelo negro da terra e
pelo branco do muro
Pelos rostos de
silêncio e de paciência
Que a miséria
longamente desenhou
Rente aos ossos com
toda a exactidão
Dum longo relatório
irrecusável
E pelos rostos iguais
ao sol e ao vento
E pela limpidez das
tão amadas
Palavras sempre ditas
com paixão
Pela cor e pelo peso
das palavras
Pelo concreto
silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as
coisas nomeadas
Pela nudez das
palavras deslumbradas
– Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se
inscreve em pleno tempo
Em: “As Grades”
(1970)
Vista dos monumentos de Sintra
(Elena P. Gancheva: artista búlgara)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de
Mello Breyner. Pátria. In: __________. Obra poética. Prefácio de Maria
Andresen Sousa Tavares. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Tinta-da-china Brasil, 2018.
p. 483. (Coleção ‘Grandes Escritores Portugueses’)
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