Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 14 de maio de 2023

Joaquim Cardozo - Filho Pródigo

O ente lírico percebe-se próximo à morte, a proferir uma fala que se dirige à sua genitora já falecida, de quem recorda os traços de humildade, amargura e tristeza, mesclados a outros de severidade, firmeza e determinação, os quais percebe em si mesmo, como se viva estivesse a prolongar os seus dias, morrendo outra vez quando ele próprio chegar ao fim.

 

Rica em nuances, a segunda estrofe do poema tece relações entre os vivos e os mortos, vinculando-os a partir da memória que os primeiros preservem em relação aos segundos, a princípio metaforicamente “mortos” ao esquecerem os seus mortos, depois mortos de fato, quando então os seus mortos serão inumados outra vez.

 

J.A.R. – H.C.

 

Joaquim Cardozo

(1897-1978)

 

Filho Pródigo

 

Minha mãe! Aqui estou.

Velho, doente, já bem próximo da morte.

À espera de um trapo de terra, de um molambo de lama

Para cobrir o meu corpo contra o frio do vento,

Que, feito em chuva, penetrará na terra de minha última carne.

E tu, minha Mãe! se estiveres n’algum lugar

de tua grande ilusão, não chores.

 

Cada vivo morre uma parte da morte de cada próximo,

E o seu fim total terá quando morrerem todos os seus mortos;

E o morto? Morre também em cada um dos vivos que morre.

 

Minha Mãe, aqui não estou para te chamar

Mamãe, e para te pedir que venhas me perdoar;

Estou aqui para te dizer que sempre estive em ti

E que fui uma parte das muitas que tiveste:

A parte mais humilde, mais simples, mais amarga... mais triste

E, ao mesmo tempo, a mais severa, mais dura, mais firme e resoluta.

 

Minha mãe, dentro de mim, comigo, morrerás de novo.

 

Mãe e Filho

(John Vanderlyn: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

CARDOZO, Joaquim. Filho pródigo. In: __________. Joaquim Cardozo: poesia completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar; Recife, PE: Massangana, 2007. p. 273. (Biblioteca Luso-Brasileira; Série Brasileira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário