O ente lírico
percebe-se próximo à morte, a proferir uma fala que se dirige à sua genitora já
falecida, de quem recorda os traços de humildade, amargura e tristeza, mesclados
a outros de severidade, firmeza e determinação, os quais percebe em si
mesmo, como se viva estivesse a prolongar os seus dias, morrendo outra vez
quando ele próprio chegar ao fim.
Rica em nuances, a
segunda estrofe do poema tece relações entre os vivos e os mortos,
vinculando-os a partir da memória que os primeiros preservem em relação aos
segundos, a princípio metaforicamente “mortos” ao esquecerem os seus mortos,
depois mortos de fato, quando então os seus mortos serão inumados outra vez.
J.A.R. – H.C.
Joaquim Cardozo
(1897-1978)
Filho Pródigo
Minha mãe! Aqui
estou.
Velho, doente, já bem
próximo da morte.
À espera de um trapo
de terra, de um molambo de lama
Para cobrir o meu
corpo contra o frio do vento,
Que, feito em chuva,
penetrará na terra de minha última carne.
E tu, minha Mãe! se
estiveres n’algum lugar
de tua grande ilusão,
não chores.
Cada vivo morre uma
parte da morte de cada próximo,
E o seu fim total
terá quando morrerem todos os seus mortos;
E o morto? Morre
também em cada um dos vivos que morre.
Minha Mãe, aqui não
estou para te chamar
Mamãe, e para te
pedir que venhas me perdoar;
Estou aqui para te
dizer que sempre estive em ti
E que fui uma parte
das muitas que tiveste:
A parte mais humilde,
mais simples, mais amarga... mais triste
E, ao mesmo tempo, a
mais severa, mais dura, mais firme e resoluta.
Minha mãe, dentro de
mim, comigo, morrerás de novo.
Mãe e Filho
(John Vanderlyn: pintor
norte-americano)
Referência:
CARDOZO, Joaquim.
Filho pródigo. In: __________. Joaquim Cardozo: poesia completa e prosa.
Volume único. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar; Recife, PE: Massangana, 2007.
p. 273. (Biblioteca Luso-Brasileira; Série Brasileira)
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