Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Friedrich Hölderlin - Ao Éter

Deste hino de Hölderlin, aprecio particularmente certa passagem da quinta estrofe, onde aparecem versos (3ª e 4ª linhas) que se alinham à ideia do livre-arbítrio: “no sempiterno pórtico do Pai” (entenda-se, o “Éter”), há espaço para todos, ou melhor, uma casa onde cada um pode vagar livremente, uma vez que o caminho não está previamente definido a ninguém.

 

“Éter”, assim vinculado ao existir humano, alimenta, ademais, um certo matiz teológico, como se uma revelação fosse, muito embora, como bem o esclarece o tradutor José Paulo Paes – em seu amplo escólio à obra em referência, intitulado “O regresso dos deuses: uma introdução à poesia de Hölderlin” –, deva-se tratar o poema de uma forma suficientemente diferenciada. Veja-se:

 

Em “Ao éter”, [Hölderlin] nos dá a medida do que pretendia o “politeísmo da imaginação e da arte” proposto no “Programa” de 1795. O éter, em grego aither, tem a acepção de “céu” em Homero, de “ar” em Empédocles e de “o elemento divino da alma humana” em Filóstrato; feito divindade alegórica, surge na Teogonia de Hesíodo como um dos filhos da União entre o Ar e o Dia, juntamente com a Mãe-Terra e o Mar. Trata-se, pois, não de um verdadeiro mito ligado ao sistema religioso arcaico, e sim de uma elaboração filosófica, mais bem adequada, por isso mesmo, ao tipo de “nova mitologia da razão” sonhada por Hölderlin. No romance Ardinghello, de seu amigo Heinse, através de citações de Sófocles, Eurípides e Aristófanes, o éter é identificado, como sopro vital, ao próprio Zeus ou Pai celeste. E é nessa condição que ele aparece também no poema de Hölderlin: por achar-se infuso em toda a criação, esta, vivificada por ele, busca naturalmente o céu, aquela “pátria amável” pela qual o poeta anseia e cuja altitude lhe inspira o impulso para cima a que estão ligados motivos e símbolos recorrentes em sua dicção, como o dos Alpes e o da águia. A irmandade teogônica do Éter com o Mar não deixa tampouco de transparecer no poema sob a forma da sedução da viagem, o chamado das “lonjuras esfumaçadas” variada e repetidamente figurado na poesia de Hölderlin como contraparte dialética da nostalgia da pátria ou de volta ao seu seio ali não menos iterativa. (PAES, 1991, p. 29)

 

J.A.R. – H.C.

 

Friedrich Hölderlin

(1770-1843)

 

An den Aether

 

Treu und freundlich, wie du, erzog der Gotter und Menschen

Keiner, o Vater Aether! mich auf; noch ehe die Mutter

In die Arme mich nahm und ihre Bruste mich trankten,

Fabtest du zartlich mich an und gossest himmlischen Trank mir,

Mir den heiligen Othem zuerst in den keimenden Busen.

 

Nicht von irdischer Kost gedeihen einzig die Wesen,

Aber du nahrst sie all mit deinem Nektar, o Vater!

Und es drangt sich und rinnt aus deiner ewigen Fulle

Die beseelende Luft durch alle Rohren des Lebens.

Darum lieben die Wesen dich auch und ringen und streben

Unaufhorlich hinauf nach dir in freudigem Wachstum.

 

Himmlischer! sucht nicht dich mit ihren Augen die Pflanze,

Streckt nach dir die schuchternen Arme der niedrige Strauch nicht?

Dab er dich finde, zerbricht der gefangene Same die Hulse,

Dab er belebt von dir in deiner Welle sich bade,

Schuttelt der Wald den Schnee wie ein uberlastig Gewand ab.

Auch die Fische kommen herauf und hupfen verlangend

Über die glanzende Flache des Stroms, als begehrten auch diese

Aus der Wiege zu dir; auch den edeln Tieren der Erde

Wird zum Fluge der Schritt, wenn oft das gewaltige Sehnen,

Die geheime Liebe zu dir, sie ergreift, sie hinaufzieht.

 

Stolz verachtet den Boden das Rob, wie gebogener Stahl strebt

In die Hohe sein Hals, mit der Hufe beruhrt es den Sand kaum.

Wie zum Scherze, beruhrt der Fub der Hirsche den Grashalm,

Hupft, wie ein Zephyr, uber den Bach, der reibend hinabschaumt,

Hin und wieder und schweift kaum sichtbar durch die Gebusche.

 

Aber des Aethers Lieblinge, sie, die glucklichen Vogel,

Wohnen und spielen vergnugt in der ewigen Halle des Vaters!

Raums genug ist fur alle. Der Pfad ist keinem bezeichnet.

Und es regen sich frei im Hause die Groben und Kleinen.

Über dem Haupte frohlocken sie mir, und es sehnt sich auch

mein Herz

Wunderbar zu ihnen hinauf; wie die freundliche Heimat

Winkt es von oben herab, und auf die Gipfel der Alpen

Mochte ich wandern und rufen von da dem eilenden Adler,

Dab er, wie einst in die Arme des Zeus den seligen Knaben,

Aus der Gefangenschaft in des Aethers Halle mich trage.

 

Toricht treiben wir uns umher; wie die irrende Rebe,

Wenn ihr Stab gebricht, woran zum Himmel sie aufwachst,

Breiten wir uber dem Boden uns aus und suchen und wandern

Durch die Zonen der Erd, O Vater Aether! vergebens,

Denn es treibt uns Lust, in deinen Garten zu wohnen,

In die Meersflut werfen wir uns, in den freieren Ebnen

Uns zu sattigen, und es umspielt die unendliche Woge

Unsern Kiel, es freut sich das Herz an den Kraften des Meergotts.

Dennoch genugt ihm nicht; denn der tiefere Ozean reizt uns,

Wo die leichtere Welle sich regt – o wer doch an jene

Goldnen Kusten das wandernde Schiff zu treiben vermochte!

 

Aber indes ich hinauf in die dammernde Ferne mich sehne,

Wo du fremde Gestad umfangst mit der blaulichen Woge,

Kommst du sauselnd herab von des Fruchtbaums bluhenden Wipfeln,

Vater Aether! und sanftigest selbst das strebende Herz mir,

Und ich lebe nun gern, wie zuvor, mit den Blumen der Erde.

 

Flutuando no Éter

(Alicia Herrmann: pintora norte-americana)

 

Ao Éter

 

Ninguém, entre os homens e os deuses, foi-me tão fiel

E bom como o foste, Pai Éter; antes já que minha mãe

Me tomasse nos braços para aleitar-me em seu seio,

Tu me enlaçaste com meiguice e me verteste no peito

Infante a poção do céu e no ouvido o sacro sopro teu.

 

Não é só de alimento terrestre que vivem os seres,

Mas és tu que os nutres a todos com teu néctar, Pai!

De tua fonte sempiterna corre e flui por todos

Os condutos da vida teu ar vivificante.

Por isso os seres te amam e forcejam para o alto,

Buscando-te o tempo todo em ditoso crescimento.

 

Celeste! não te procura a planta com seus olhos,

E o arbusto rasteiro não te estende os braços tímidos?

Para encontrar-te é que a semente reclusa rompe a casca;

Por ti vivificada, e para banhar-se em tuas vagas,

É que o bosque sacode de si, roupa excessiva, a neve.

Os peixes também sobem à tona e saltam anelantes

Por sobre o espelho do rio, como que fugindo

Do seu berço para ti; os nobres animais terrestres

Amiúde ganham asas quando a ânsia impetuosa,

O secreto amor por ti, os impele para cima.

 

O soberbo corcel desdenha o chão; aço em arco, busca

Com o pescoço as alturas, mal toca a areia com os cascos.

Como a brincar, o pé do gamo roça o talo de relva

E transpõe, zéfiro, o riacho a espumejar impetuoso,

Saltando-o uma e outra vez, visível a custo entre os arbustos.

 

Mas os favoritos do Éter, os pássaros ditosos,

Vivem e brincam no sempiterno pórtico do Pai!

Há lugar para todos. De nenhum a senda está marcada.

Pequenos e grandes se movem livres pela casa.

Alegra-me tê-los sobre a cabeça, e o coração,

Num prodigioso anseio voa até eles; pátria amável,

O Éter me chama lá do alto, e aos cimos dos Alpes

Eu quisera subir para gritar à águia apressada

Que, como outrora o menino eleito aos braços de Zeus,

Me levasse do cativeiro ao pórtico celeste.

 

Néscios, vagamos de um para outro lado; como a vide

Errante que, sem esteio, cresce no rumo do céu,

Alastramo-nos pelo solo e, extraviados, em vão

Vagamos pelas zonas da Terra, oh meu Pai Éter!

Anseios de morar no teu jardim conosco vão.

Às ondas do mar nós nos lançamos, em planícies mais livres

Fartamo-nos, e brinca a infinda vaga com a nossa quilha

E se alegra o coração com o poder do deus do mar.

Mas isso não basta, oceano mais fundo nos seduz,

Onde a vaga se move mais ligeira – oh! quem pudesse

Às costas de ouro impelir o nosso barco errante!

 

Mas enquanto anseio por essas lonjuras esfumadas,

Onde tua vaga azul envolve as praias ignotas,

Murmuro, do alto das árvores floridas do pomar,

Vens tu mesmo, Pai Éter, aplacar-me o coração,

E, propenso como outrora, vivo entre as flores da Terra.

 

Do Ciclo de “Diotima” (1795-1798)

 

Referências:


PAES, José Paulo. O regresso dos deuses: uma introdução à poesia de Hölderlin. In: HÖLDERLIN, Friedrich. Poemas. Seleção, tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1991. p. 11-54.

 

HÖLDERLIN, Friedrich. An den aether / Ao éter. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1991. Em alemão: p. 62 e 64; em português: p. 63 e 65.

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