Em nossa “residência”
sobre a terra, tudo são memórias – e nem sempre felizes – do que nos sucedeu (ou
aos outros que nos acompanham): elas repercutem de modo tão intenso, tão
lancinante, que nos levam a conduzir-nos perante a vida como se fatos distantes
ou pessoas mortas possuíssem o dom da presença, ostensivamente sob os nossos
olhos.
O leitor poderia
associar tal comentário às intercorrências havidas entre os personagens do clássico
hispano-americano “Pedro Páramo”, do mexicano Juan Rulfo (1917-1986): os
relatos são massa pendente de um tempo pretérito, que teima em decantar-se no
presente, para a qual nem mesmo a avidez do oblívio logra sufocá-la para as funduras
das águas do Letes.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
No Hay Olvido
(Sonata)
Si me preguntáis en
dónde he estado
debo decir “Sucede”.
Debo de hablar del
suelo que oscurecen las piedras,
del río que durando
se destruye:
no sé sino las cosas
que los pájaros pierden,
el mar dejado atrás,
o mi hermana llorando.
Por qué tantas
regiones, por qué un día
se junta con un día?
Por qué una negra noche
se acumula en la
boca? Por qué muertos?
Si me preguntáis de
dónde vengo, tengo que conversar
com cosas rotas,
con utensilios
demasiado amargos,
con grandes bestias a
menudo podridas
y con mi acongojado
corazón.
No son recuerdos los
que se han cruzado
ni es la paloma
amarillenta que duerme en el olvido,
sino caras con
lágrimas,
dedos en la garganta,
y lo que se desploma
de las hojas:
la oscuridad de un
día transcurrido,
de un día alimentado
con nuestra triste sangre.
He aquí violetas,
golondrinas,
todo cuanto nos gusta
y aparece
en las dulces
tarjetas de larga cola
por donde se pasean
el tiempo y la dulzura.
Pero no penetremos
más allá de esos dientes,
no mordamos las
cáscaras que el silencio acumula,
porque no sé qué
contestar:
hay tantos muertos,
y tantos malecones
que el sol rojo partía,
y tantas cabezas que
golpean los buques,
y tantas manos que
han encerrado besos,
y tantas cosas que
quiero olvidar.
En: “Residencia en la
Tierra” (1925–1931)
Lago do bosque ao
crepúsculo
(Laura Iverson: pintora
norte-americana)
Não Existe Esquecer
(Sonata)
Se me perguntais onde
estive
devo dizer “Ocorre”.
Devo falar do limo
que escurece as pedras,
do rio que durando se
destrói:
Nada sei além das
coisas que os pássaros perderam,
o mar deixado atrás
ou minha irmã chorando.
Por que tantas
regiões, por que um dia
se junta a outro dia?
Por que uma negra noite
se acumula na boca?
Por que há mortos?
Se me perguntais de
onde venho, terei que conversar
com coisas mortas,
com utensílios
demasiado amargos,
com grandes bestas
geralmente pútridas
e com o meu
angustiado coração.
Não são lembranças
daqueles que se foram
nem a pomba
amarelecida que dorme no esquecimento.
Apenas rostos com
lágrimas,
dedos na garganta
e o que se desmorona
das folhas,
a obscuridade de um
dia transcorrido,
de um dia alimentado
com nosso triste sangue.
Eis aqui violetas,
andorinhas,
tudo o que nos apraz
e que aparece
nesses
cartões-postais de cauda longa
por onde passeiam o
tempo e a doçura.
Além desses dentes,
porém, não penetremos,
nem mordamos as
cascas que o silêncio acumula,
porque não sei que
responder:
há tantos mortos
e tantos paredões que
o rubro sol partia
e tantas cabeças
batendo contra os barcos
e tantas mãos que
encarceravam beijos
e tantas coisas que
desejo esquecer.
Em: “Residência na Terra”
(1925–1931)
Referência:
NERUDA, Pablo. No hay
olvido (sonata) / Não existe esquecer (sonata). Tradução de Ivo Barroso. In:
BARROSO, Ivo (Organização e Tradução). O torso e o gato. Prefácio de
Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em espanhol: p. 210 e 212;
em português: p. 211 e 213.
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