O falante tenta
seduzir uma jovem, possivelmente ainda virgem, ao argumento de que entre ambos
já houve um parasita – uma pulga, no caso – que lhes sugou o sangue, primeiramente
o dele, depois o dela, promovendo, dessa maneira, certa “troca de fluídos”, o
que suscitou, de imediato, a reação
desta, levando-a a matar a pulga, desconsiderando a parola figurativa do
sujeito lírico.
A mescla dos sangues
no corpo da pulga não configuraria “pecado, vergonha ou perda da virgindade”,
argumenta o falante, mas a moça contesta, alegando que ninguém se mostra menos
nobre por tirá-la a vida. A tréplica dele sustenta que tal fato seria o
elemento probante de que falsos são os seus temores: indo para a cama com ele,
não perderia mais honra do que perdera ao matar o inseto. Conversa fiada, engabelação?
Pode ser!... (rs)
J.A.R. – H.C.
John Donne
Retratado por Isaac
Oliver
(1572-1631)
The Flea
Mark but this flea,
and mark in this,
How little that which
thou deniest me is;
It sucked me first,
and now sucks thee,
And in this flea our
two bloods mingled be;
Thou know’st that
this cannot be said
A sin, nor shame, nor
loss of maidenhead,
Yet this enjoys
before it woo,
And pampered swells
with one blood made of two,
And this, alas, is
more than we would do.
Oh stay, three lives
in one flea spare,
Where we almost, nay
more than married are.
This flea is you and
I, and this
Our marriage bed, and
marriage temple is;
Though parents
grudge, and you, w’are met,
And cloistered in
these living walls of jet.
Though use make you
apt to kill me,
Let not to that,
self-murder added be,
And sacrilege, three
sins in killing three.
Cruel and sudden,
hast thou since
Purpled thy nail, in
blood of innocence?
Wherein could this
flea guilty be,
Except in that drop
which it sucked from thee?
Yet thou triumph’st,
and say’st that thou
Find’st not thy self,
nor me the weaker now;
’Tis true; then learn how false, fears be:
Just so much honor,
when thou yield’st to me,
Will waste, as this
flea’s death took life from thee.
Mulher catando uma
pulga
(Georges de La Tour:
pintor francês)
A Pulga
Repara nesta pulga e
apreende bem
Quão pouco é o que me
negas com desdém.
Ela sugou-me a mim e
a ti depois,
Mesclando assim o
sangue de nós dois.
E é certo que ninguém
a isto alude
Como pecado ou perda
de virtude.
Mas ela goza sem ter
cortejado
E incha de um sangue
em dois revigorado:
É mais do que
teríamos logrado.
Poupa três vidas
nesta que é capaz
De nos fazer casados,
quase ou mais.
A pulga somos nós e
este é o teu
Leito de núpcias. Ela
nos prendeu,
Queiras ou não e os
outros contra nós,
Nos muros vivos deste
Breu a sós.
E embora possas
dar-me fim, não dês:
É suicídio e
sacrilégio, três
Pecados em três
mortes de uma vez.
Mas tinges de
vermelho, indiferente,
A tua unha em sangue
de inocente.
Que falta cometeu a
pulga incauta
Salvo a mínima gota
que te falta?
E te alegras e dizes
que não sentes
Nem a ti nem a mim
menos potentes.
Então, tua cautela é
desmedida.
Tanta honra hei de
tomar, se concedida,
Quanto a morte da
pulga à tua vida.
Referência:
DONNE, John. The flea
/ A pulga. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. O
anticrítico. Seleção de poemas, introdução e tradução pelo autor. São
Paulo, SP: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 70; em português: p. 71.
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