Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 6 de maio de 2023

John Donne - A Pulga

O falante tenta seduzir uma jovem, possivelmente ainda virgem, ao argumento de que entre ambos já houve um parasita – uma pulga, no caso – que lhes sugou o sangue, primeiramente o dele, depois o dela, promovendo, dessa maneira, certa “troca de fluídos”, o que suscitou, de imediato, a reação desta, levando-a a matar a pulga, desconsiderando a parola figurativa do sujeito lírico.

 

A mescla dos sangues no corpo da pulga não configuraria “pecado, vergonha ou perda da virgindade”, argumenta o falante, mas a moça contesta, alegando que ninguém se mostra menos nobre por tirá-la a vida. A tréplica dele sustenta que tal fato seria o elemento probante de que falsos são os seus temores: indo para a cama com ele, não perderia mais honra do que perdera ao matar o inseto. Conversa fiada, engabelação? Pode ser!... (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

John Donne

Retratado por Isaac Oliver

(1572-1631)

 

The Flea

 

Mark but this flea, and mark in this,  

How little that which thou deniest me is;  

It sucked me first, and now sucks thee,

And in this flea our two bloods mingled be;  

Thou know’st that this cannot be said

A sin, nor shame, nor loss of maidenhead,

Yet this enjoys before it woo,

And pampered swells with one blood made of two,

And this, alas, is more than we would do.

 

Oh stay, three lives in one flea spare,

Where we almost, nay more than married are.  

This flea is you and I, and this

Our marriage bed, and marriage temple is;  

Though parents grudge, and you, w’are met,  

And cloistered in these living walls of jet.

Though use make you apt to kill me,

Let not to that, self-murder added be,

And sacrilege, three sins in killing three.

 

Cruel and sudden, hast thou since

Purpled thy nail, in blood of innocence?  

Wherein could this flea guilty be,

Except in that drop which it sucked from thee?  

Yet thou triumph’st, and say’st that thou  

Find’st not thy self, nor me the weaker now;

Tis true; then learn how false, fears be:

Just so much honor, when thou yield’st to me,

Will waste, as this flea’s death took life from thee.

 

Mulher catando uma pulga

(Georges de La Tour: pintor francês)

 

A Pulga

 

Repara nesta pulga e apreende bem

Quão pouco é o que me negas com desdém.

Ela sugou-me a mim e a ti depois,

Mesclando assim o sangue de nós dois.

E é certo que ninguém a isto alude

Como pecado ou perda de virtude.

Mas ela goza sem ter cortejado

E incha de um sangue em dois revigorado:

É mais do que teríamos logrado.

 

Poupa três vidas nesta que é capaz

De nos fazer casados, quase ou mais.

A pulga somos nós e este é o teu

Leito de núpcias. Ela nos prendeu,

Queiras ou não e os outros contra nós,

Nos muros vivos deste Breu a sós.

E embora possas dar-me fim, não dês:

É suicídio e sacrilégio, três

Pecados em três mortes de uma vez.

 

Mas tinges de vermelho, indiferente,

A tua unha em sangue de inocente.

Que falta cometeu a pulga incauta

Salvo a mínima gota que te falta?

E te alegras e dizes que não sentes

Nem a ti nem a mim menos potentes.

Então, tua cautela é desmedida.

Tanta honra hei de tomar, se concedida,

Quanto a morte da pulga à tua vida.

 

Referência:

 

DONNE, John. The flea / A pulga. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. Seleção de poemas, introdução e tradução pelo autor. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 70; em português: p. 71.

Nenhum comentário:

Postar um comentário