A sintaxe abreviada
deste poema de Brault leva-nos a supor de que resulta de um processo de copla a
seu próprio modo de ser, desvestido doravante do peso importuno do que se lhe
parece acessório, do que não lhe guarnece com qualquer sentido, por conseguinte,
agora convertido a um estilo moderado, no qual as palavras refletem um estado
de precisão, de mister.
A conjugação verbal
no pretérito poderia sugerir um estágio final, de alguém a refletir com o que se
passou ao longo da vida. Contudo, o título do poema – “Começo” – sugere o
oposto, em linha com o que se pontua no parágrafo precedente, vale dizer, uma
mudança, uma virada, uma aurora trazendo mais luz e consciência ao quotidiano,
quando então a “palavra” passa a acomodar maior significância.
J.A.R. – H.C.
Jacques Brault
(n. 1933)
Commencement
d’après Blas de Otero
ai perdu vie le temps
tout
jeté comme
anneau dans l’eau
ai perdu voix dans
les broussailles
me reste un peu de
parole
ai souffert de soif
de faim tout
était mien il n’y
a plus rien
ai fauché les ombres
de silence
me reste un peu de
parole
ai ouvert les yeux voir le visage
pur chaos ma patrie
ai ouvert les lèvres
à déchirure
me reste un peu de
parole
Dans: “La poésie ce
matin” (1971)
Egrégora
(Alexey Adonin: artista
bielorrusso)
Começo
a partir de Blas de
Otero
perdi vida o tempo
tudo
jogado como anel na água
perdi voz na sarça
me resta um pouco de
palavra
eu sofri sede fome
tudo
era meu mais nada não
ceifei as sombras de
silêncio
me resta um pouco de
palavra
abri os olhos encarei o rosto
puro caos minha
pátria
abri os lábios ao
rasgo
me resta um pouco de
palavra
Em: “A poesia esta
manhã” (1971)
Referência:
BRAULT, Jacques. Commencement
/ Começo. Tradução de Álvaro Faleiros. In: __________. Nas sendas de Jacques
Brault: antologia de poemas (1965-2006). Prefácio, seleção e tradução de Álvaro
Faleiros. Brasília, DF: Editora da UnB, 2021. Em francês: p. 110; em português:
p. 111. (Coleção ‘Poetas do mundo’)
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