Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Jacques Brault - Começo

A sintaxe abreviada deste poema de Brault leva-nos a supor de que resulta de um processo de copla a seu próprio modo de ser, desvestido doravante do peso importuno do que se lhe parece acessório, do que não lhe guarnece com qualquer sentido, por conseguinte, agora convertido a um estilo moderado, no qual as palavras refletem um estado de precisão, de mister.

 

A conjugação verbal no pretérito poderia sugerir um estágio final, de alguém a refletir com o que se passou ao longo da vida. Contudo, o título do poema – “Começo” – sugere o oposto, em linha com o que se pontua no parágrafo precedente, vale dizer, uma mudança, uma virada, uma aurora trazendo mais luz e consciência ao quotidiano, quando então a “palavra” passa a acomodar maior significância.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jacques Brault

(n. 1933)

 

Commencement

 

d’après Blas de Otero

 

ai perdu vie   le temps   tout

jeté   comme anneau dans l’eau

ai perdu voix dans les broussailles

me reste un peu de parole

 

ai souffert de soif de faim   tout

était mien   il n’y a plus rien

ai fauché les ombres de silence

me reste un peu de parole

 

ai ouvert les yeux   voir le visage

pur chaos ma patrie

ai ouvert les lèvres à déchirure

me reste un peu de parole

 

Dans: “La poésie ce matin” (1971)

 

Egrégora

(Alexey Adonin: artista bielorrusso)

 

Começo

 

a partir de Blas de Otero

 

perdi vida   o tempo   tudo

jogado   como anel na água

perdi voz na sarça

me resta um pouco de palavra

 

eu sofri sede   fome   tudo

era meu   mais nada não

ceifei as sombras de silêncio

me resta um pouco de palavra

 

abri os olhos   encarei o rosto

puro caos minha pátria

abri os lábios ao rasgo

me resta um pouco de palavra

 

Em: “A poesia esta manhã” (1971)

 

Referência:

 

BRAULT, Jacques. Commencement / Começo. Tradução de Álvaro Faleiros. In: __________. Nas sendas de Jacques Brault: antologia de poemas (1965-2006). Prefácio, seleção e tradução de Álvaro Faleiros. Brasília, DF: Editora da UnB, 2021. Em francês: p. 110; em português: p. 111. (Coleção ‘Poetas do mundo’)

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